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domingo, 1 de setembro de 2013

Com a de-vida distância XIII

O Atlântico a banhar a Patagónia - Argentina, Vitor Vicente, Janeiro de 2010

Cumpridos os meus deveres diários, a pouco de mais de um quarto de hora do fim do turno, lembrei-me de ligar o rádio para ouvir o relato do sorteio da Champions League. Como ainda era cedo para o dito, em vez do relato ou algo afim, acabei por dar de orelhas com António Variações.
De phones nos ouvidos, olhei em redor e dei (agora) de caras com bocas brancas e Europeias a conversar. Não sei se estavam a comentar quem poderia jogar contra quem na Champions League. Só sei que não parecia empresa fácil explicar-lhes as letras de António Variações.
Primeiro, porque os génios jamais foram entendidos muita gente. Segundo, porque as letras de Variações são intraduzíveis para a baça alma Europeia. Não quero com isto chamar de cretinos os meus queridos colegas. Quero apenas dizer que são insensíveis a algo que lhes está mais além: a alma Atlântica. 
(Em vez de bater nos colegas, prefiro dar porrada a quem se presta a alguns cultos. Refiro-me aos casos em que o objeto de culto, se tivesse oportunidade, cuspiria na cara daqueles que precisamente lhe prestam culto. Aliás, se há algo que atesta o genio proscrito, acho que passa por ser idolatrado a posteriori por imbecis a quem teria vontade de espezinhar que nem vermes).
Mas deixemos os vermes e os mortos. Fiquemos com o intraduzível Variações. Que, na mais otimista das hipóteses, chegaria aos espírito dalguns Espanhóis mais espertos e atentos. (Nem mesmo assim, os Portugueses reconheceriam os Ibéricos como nossos irmãos e continuariam a considerar os Ingleses como os únicos capazes de nos compreender pela idiota razão de serem Ingleses).
Seja, deixemos que assim seja, como assim tem sido há séculos. Por mim, tudo bem, desde que não se tenha de de sair do escritório, para, via Variações, levitar além dos Europeus e voltar a Portugal. Quedo. Tanto mais mudo, menos surdo. Com a de-vida distância. 

domingo, 18 de agosto de 2013

Com a de-vida distância XII

A Velha e a Vassoura - Goa, Vitor Vicente, Dezembro de 2011

Durante algum tempo, um dos meus melhores amigos só queria conhecer miúdas através da Intenet. Isto ainda antes do Facebook, aliás o meu amigo, entretanto, passados todos estes anos, nem se deixou contagiar pela febre facebuquiana. É que, já agora, convém esclarecer os mais novos e alguns mentecaptos que primeiro veio a Internet e só depois o Facebook. Quem diz a Internet, diz o sexo virtual. Cuja prática remonta aos tempos do Msn que, hoje, assim dito, parece do tempo do Ms-Dos.  
Houve então um tempo em que o meu amigo fazia amizades virtuais. Exclusivamente. Chegou a conhecer algumas pessoas, no tanto que é dado a conhecer alguém quando se está a cara a cara com alguém. Conheceu de tudo. Desde taradas que faziam strip através da web cam enquanto o meu amigo, do outro lado da web cam, exibia uma nota atrás da outra, até outro tipo de taradas que fodiam com ele, também em frente da web cam, enquanto outro tipo, também do lado de lá da web cam, assistia à coisa. No meio destas mulheres e destas web cam todas, houve, claro está, também casos de criaturas sem grandes caraterísticas. Mas destas, por serem despidas disso mesmo, não rezará a história com nada digno de grande  registo, senão a de pertencerem a uma massa anónima e sem côr. 
A que vem aqui dar o mote à história é uma senhora que dizia (digitalmente) ter quarenta anos e que o meu amigo foi conhecer ao centro da cidade. O encontrou, tal como o encanto, durou pouco. Na verdade, nem começou. Cito o meu amigo: "Conheces aquele tipo de mulher que tem quarenta anos e tem quarenta anos mesmo?". Respondi: "Conheço, sim". Explicou: "Ela era desse tipo. Quando chegou ao lugar onde tínhamos combinado, perguntou-me se eu era eu, e eu disse que não e fui-me embora. Ela era ela. E tinha quarenta anos e quarenta anos mesmo". 
O meu amigo vai também embora desta história. 
O que quero dizer com esta história é que existem pessoas que têm e aparentam ter quarenta anos, ou qualquer que seja a idade que tenham e aparentam ter. Quanto mais velhas sejam, mais tendem a parecer ter a idade que têm. São pessoas que vivem rente à realidade, que respeitam e respiram a realidade como se nada mais houvesse em redor. Que, ano após ano, como carneiros, continuam a cumprir o calendário. Religiosamente. Existem porque envelhecem e envelhecem porque existem. Enfim, envilecem.
Costumo ver essas pessoas quando vou a Portugal. Porque em Portugal permanecem, a apodrecer e a  hipotecar as possibilidades de partir, incluindo o mais importante que é a possibilidade de partir de si próprias. Mas este fenómeno não é  património do nosso país. Este é um fenómeno humano, de escala tão universal como a estupidez. Os portugueses, naqueles acessos absurdos de auto-estima, é que tendem a pensar que há coisas, sobretudo as piores coisas, que só se passam em Portugal. Claro que temos as nossas coisas. Mas isso é fruto de acidentes e incidentes históricos, geográficos e até (ó pedras duras, que precisai de ser polidas!) geológicos.
E essa é demasiada areia para esta camioneta e que se quer leve. Que quer viver longe por crer que longe ser o nome do único lugar onde se pode viver e manter jovem. Os anos aqui, neste lugar sem nome, são-nos anos bobos, de brincadeira. Até quando nos aburguesarmos não deixamos de o fazer de modo atabalhoado, um tanto ou quanto adolescente. É só mais uma experiência, mais uma metamorfose desta condição sem ciência, nem obrigação. O único imperativo é jamais nos rendermos à realidade, a última e única válida resistência é a do espírito. Assim, refratários, participamos do movimento do mundo, por estarmos tão integrados no mundo como no infinito. Assim, mau grado a morte, existimos, rimos e resistimos separados dos vivos com a de-vida distância. 

domingo, 11 de agosto de 2013

Com a de-vida distância XI

Cadeira e mesa vazias - Barcelona, Vitor Vicente, Agosto de 2011

Nas antevésperas de completar sete anos fora de Portugal, pergunto-me ainda por alguns porquês. Pergunto-me pelo porquê daqueles que partiram e pelo porquê daqueles que não partiram nunca.
Pergunto-me sem que a realidade me dê qualquer resposta. Ainda assim, autista, mouco aos ouvidos mudos do mundo, prossigo. 
(Para quem acha obra inútil e quem não continuar este absurdo caminho, fica o aviso para ficar por este capítulo).
Primeiro, pergunto-me por mim. Onde teria estado eu durante estes anos, se nunca tivesse partido? Quando pergunto onde, pergunto pelo paradeiro pensamento. Pois é do irrequieto poiso dos pensamentos que este questionar se ocupa. Que pensaria eu do estrangeiro? Tomaria-o como um espaço tão inacessível quanto as estrelas? Ou, simplesmente, não lhe faria caso, sem estar consciente de que viveria de costas voltadas para o mundo? 
Mas, por caso - e esta é, para quem não deu conta, a segunda pergunta - todos aqueles que partiram terão abraçado mais mundo que a pátria que os pariu? Já aqui (acho) referi os que partiram sem nunca terem partido, os profundamente provincianos que se disfarçam de toda-a-terra. Gente para quem a diáspora é um desperdício e que continua a viver o seu dia-à-dia como se nunca tivesse conhecido outra casa que não a sua, ou outra que à sua se pareça.
Depois, há ainda os que partem como quem procura. Que farejam a fastidiosa imbricação dos factos como se fosse feita de material feérico, como se pudesse ser cenário de uma fábula sem tempo, nem espaço. Estes partem como existem: sem explicações. Estes, sim, que são a falsa partida em pessoa. Nunca partiram porque nunca estiveram em lado algum. Se permanecem, é por pura preguiça e um certo sentido de inércia a que não é alheia a inocência e uma certa tendência para se irmanar ao infinito. Se querem coser-se a uma cidade, dali ninguém os tira ou dá ordem de saída. Na verdade, bem podem viver num cem-número de cidades que sempre serão um sem-número de sítios. Desta estirpe, entre a espécie, nunca me foi apresentado um exemplo. Só existem nos livros e nos ecrans das salas de cinema, em suma nos nobres salões dos sonhos que não são parte do património de nenhum século, nem da - desculpem se desiludo alguém - Paris do Século XIX. 
(E um pequeno parêntesis para os que, independentemente de terem partido pouco, muito ou mais ou menos, jamais terem partido de si próprios. Os que, num par de palavras, nunca se confrontaram com a sua consciência. Já era hora de a pôrem em causa, de lhe tirarem as calças e de a chamar de desavergonhada. Derrubado do altar, poder-se-á então ver os alicerces em que se fixa o ambulante circo das humanas convicções. O quão frágil é tudo o que se fixa: basta meio dia de dinamite e estilhaçam-se as convicções de toda uma vida, sendo que este processo é mais demorado quanto mais cretina tem sido a dita vida.)
Assim continuo a acompanhar este cais de pseudo-partidas e inconcretizadas chegadas. Jamais entendi o vai e vem dos vivos, quanto mais o dos mortos. A ambos assisto - hoje em dia, mais para o aterrado do que em posição de expetativa -com a de-vida distância. 

domingo, 12 de maio de 2013

Com a de-vida distância X


Esplanada em Eilat - Israel, Vitor Vicente, Maio de 2013

Termino de ler o nono tomo do diário de Miguel Torga. Penso em J. Rentes de Carvalho e Francisco José Viegas. Todos transmontanos. Todos detentores de um Português apurado, tradicional até.
Como não se vê nos jovens escritores, nem se consegue adivinhar nas gerações vindouras. Multidão apressada e anónima, onde só se vislumbram tipos de tigela e meia, atarracados e tíbios, sem fibra nem espinha. É vê-los com a pose cerimonial do padreco da aldeia, com o ar cabisbaixo de quem acabou de sair da clínica de desintoxicação, com pouco tento na língua a comentar assuntos sociais ou emperoados em eventos e redes sociais. Em suma, sociopatas de toda a espécie e em número suficiente para servir de objecto de estudo aos finalistas da licenciatura de Neurologia que não sabem que fazer com o canudo.
Sinto falta - eu, assinala-se, que nasci em 83 - de abrir um livro em Português e pensar que podia ter sido escrito pela mão de um almirante ou pelo punho assertoado de um diplomata. Por exemplo, por um José Cardoso Pires, possuidor de um Português perfeito, personagem que consigo ver numa doca, num porto, numa gare. Ou em Ramalho Ortigão, o maior génio da Geração de 70, que consigo imaginar numa mercearia em Londres ou a trocar as voltas (digo, a fazer troça) de uma dama da Toscânia. 
Em contrapartida, chega-se ao Chiado e o mundo cheira a mofo. Cheira a gente que só navegou na naftalina. Que fala do deserto ou do sol da meia-noite como se fossem conceitos, coisas do lá longe. Até o infinito, de tão amorfo,o estrangulam como algo intelectualizado. O Chiado, enfim, está cheio de gente que acha estar num plano mais elevado,por discutir temas mais altos do que os penaltis que se discutem na taberna ali ao lado.
Dito e discutido isto, afasto os trapos do Chiado com as costas da mão e torno a Trás os Montes. Volto então onde só fui uma vez, numa excursão da escola e a Foz Côa. Uma das poucos viagens em grupo que fiz e em que me senti mais só do que as viagens em que só viajei.
Tudo isto acontece-me através dos diários de Torga. Em que cada palavra é tratada com o respeito de quem tudo respeita, inclusivé cada pedra que se colhe pelo caminho. Em que cada palavra é talhada como uma pedra em que se reconhece potencial. Em que cada palavra é polida. Em que cada palavra é preciosa.
Para essa precisão, é preciso limpeza, higiene e humildade. Tudo isso dá trabalho.
Volto então às paisagens de Portugal por onde pouco ou nenhum tempo estive. O regresso, à cautela, dá-se com a de-vida distância.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Com a de-vida distância IX

Merrion Street Upper - Taoiseach House, Vitor Vicente, Janeiro de 2013

De longe, literal e geograficamente de longe, prefiro receber os meus em Dublin do que encontrar os meus em Portugal. Quando digo os meus, digo os meus pais. Quando digo os meus pais, digo o meu país.
Ou, se preferirem, o meu país na pessoa dos meus pais. Com ou sem sentido figurado, ao fim de contas, tanto me faz. Desde que estejamos todos, juntos, num lugar que se possa designar como um lugar longe. Dublin, como foi o caso.
Ou, para personalizar ainda mais, na minha Dublin. Na Dublin de que é feito o meu dia à dia. Ou no que dos meus dias é feito mais em Dublin do que de Dublin.
Excepção feita a estes dias. Em que, ao acompanhar os meus pais, ao me tornar pai dos meus próprios pais, me tornei também guia turístico de tudo e todos. Até de mim próprio, que, de olhar outrado, me perguntava como a preguiça me fecha cá por casa. 
É certo que lhes dei a conhecer a minha casa. Assim como o meu bairro e o caminho pelo meu bairro que faço, todos dias, até minha casa. Não fossem o bairro e o caminho do quotidiano parte da própria casa. 
Canal acima, canal abaixo, debaixo de chuva curta ou de um sol entre o celta e o tímido, lá fomos até às margens do Liffey. Às compras, às cervejas, aos cafés que, aos olhos e às narinas dos portugueses, são chamados de cafés com cheirinho. Para dar um toque  turístico, marquei o jantar de Sábado no Johnnie Fox, restaurante a pouco mais de meia hora do centro da cidade mas que parece distar mil e uma milhas da capital da Irlanda - até porque os transportes, tirando os táxis, são falhos, e aqui em  Dublin depressa se assimila a tabuada do tempo: As distâncias não se medem em metros, mas em minutos
Ainda sem sair das distâncias, abandonando por meros momentos a matemática dos minutos, termino a dizer que, durante estes dias, voltei a Portugal. Devidamente protegido pelos meus pais, à semelhança da infância. Digo, com a de-vida distância. 

sábado, 3 de novembro de 2012

Com a de-vida distância VIII

Passageiros à espera do Tren Patagónico - San Carlos de Bariloche (Patagónia) 
Vitor Vicente, Fevereiro de 2010

Todos os terminais, de autocarros, comboios, barcos ou aviões, são termómetros do tempo. Tirando quem lá trabalha e que apenas espera o fim do turno, um ou outro diletante que mais não espera que aconteça qualquer coisa que o possa desaborrecer sem que isso o apoquente, tirando estes, há sempre alguém à espera de alguém. Seja à espera de alguém que vai chegar, seja a partir para um lugar onde alguém esteja à sua espera.
Elevados à mais alta das esperas, a espera entre estrelas, espera inter-estrelar, os aeroportos são uma espécie de sala de espera suspensa no ar e às avessas. Não há outro lugar onde as emoções estejam tão escancaradas, tão á flor da pele, tão espetacularmente autênticas.
No fundo, o próprio mundo é uma  sala de espera, que se espreguiçou e se tornou um pouco maior que o costume e que o esperado. Viver, enfim, é estar à espera. Mesmo escondidos, à espreita, a olhar de esguelha, nalguma esquina ou expostos à descarada, somos sempre surpreendidos pelo próprio soslaio. Esperamos, logo existimos.
Eu conheci salas de espera de toda a espécie. Desde o dentista de Dublin onde fui a semana passada, até a todas as portas de embarque de todos os aeroportos onde fiz figas para fazer valer o meu bilhete stand by.
Diria que todas as salas de espera deste mundo e do outro são sempre a mesma. A mesma ansiedade, a mesma paciência. A pressa personificada na diferença de cada pessoa.
Mas nada vi que se pareça aos prédios residenciais de porta semi-aberta e candeeiro vermelho no tecto, algures num infame bairro de Atenas. Onde, logo à entrada, vi tipos fazerem fila num banquinho, enquanto aguardavam a sua vez de serem chamados para comprar a  cópula de circunstância no rés-de-chão direito ou esquerdo, consoante fosse o freguês que se despachasse mais cedo.
Filas gregas. Filas indianas. As diferentes maneiras de estar à espera. Como posso comparar os dentistas de Dublin aos de Portugal? Tão despidos de cerimónias, de secretárias, de importancidades - tão irlandeses.  Só os posso comparar aos médicos cá da cidade, que nos medem a febre com uma mão e nos cobram os cinquenta euros da consulta com a outra. 
Com maiores ou menores semelhanças, volto sempre a Portugal, sempre que me volto a sentar numa sala de espera. O tempo das salas de espera é o mesmo tempo das distantes tardes febris que passei na infância, deitado, a observar as intermináveis paredes do meu quarto. O tempo das salas de espera é o tempo dos que adoecem de tédio e no tédio encontram a terapia contra tudo e contra todos. 
No meu caso, o tédio é ainda o tempo em que me é permitido o privilégio de estar de novo perto de  Portugal, com a de-vida distância. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Com a de-vida distância VII

Entrada do Irish Jewish Museum - Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2012

Muita gente sabe que tenho pouco interesse - para não dizer nenhum - por notícias. Do mundo, de Portugal em particular, nada.
Ou de quase nada. Nem mesmo nos raros momentos de nostalgia sou levado a ler notícias da velha nação. Apenas o futebol tem o condão de me religar fisicamente ao fastidioso mundo dos factos e, por breves instantes e meros momentos, abrir mão da fantasia e de me sentir vizinho do infinito.
Durante um intervalo do horário de trabalho – ou seja, de dar um salto ao outro mundo, ficar como que suspenso – lembrei-me de consultar o zerozero.pt, vulgo cyber-enciclopédia de futebol. Detive-me numa das notícias de destaque: sorteio da primeira eliminatória da Taça de Portugal.
Procurei pelas equipas do Barreiro, minha cidade berço, e, por isso, a minha cidade de sempre - e que, assim dita, mais parece um bairro.
Antes ainda de encontrar o Barreirense e o Fabril, dei de caras com uma equipa chamada, nem mais nem menos, do que: Barreiro. Aos ditos, os deuses ditaram jogar em casa. Quer isto dizer, em Angra do Heroísmo, mais propriamente no Porto Judeu.
Barreiro? Porto Judeu? Isto merecia investigação. Próxima paragem: Wikipedia.
De acordo com a Wikipedia, o Porto Judeu foi assim chamado por, na altura do batismo, tudo o que de mau havia era chamado, nem mais nem menos, de “Judeu.”
Assim termina mais uma lenda anti-semita. Lenda ou com fundo de verdade, dou graças ao Senhor por assistir a tudo isto desde Dublin, com a de-vida distância.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Com a de-vida distância VI

Aviva Stadium - Final da Liga Europa em Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2011

O "Portugueto" sai para as ruas de Dublin sempre que há "derby" lá na "Lusolândia." É o pretexto mais que perfeito. É vê-los com o cachecol do clube do coração. É vê-las a acompanhar os respectivos como acompanharam na mudança de nação.
Bebem pints, imperialmente ou de fininho consoante as cores clubísticas. Mas todos gostam à brava é das Irish Girls que, ao contrário dos idos tempos no Allgarve, não lhes fazem olhinhos, nem lhes dão bola.
Por isso, e para descanso das consortes, o melhor mesmo é concentrar-se na bola.
Portugal em peso. Sem olhar à conta, nem com meias medidas. Repetem rituais como se continuassem no café da esquina. Nem deixam em casa os comentários racistas contra o "cabrão do preto que, foda-se, com um caralho, que o palhaço do treinador, palhaço pá, mandou marcar a porra do penalti". 
Alguns preferem nem ver o penalti. Aproveitam para, fora das quatro entrelinhas do terreno de jogo, galarem as "Irish Girls" que, já sem a leveza e o desprendimento de quem está de férias, não lhes passam cartucho, nem cartão.
Cartão acaba de mostrar o árbito. Cartão amarelo. Amarelo como o único sorriso que consigo esboçar durante os noventa minutos em que volto a Portugal com a de-vida distância.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Com a de-vida distância V

Temple Bar - Dublin, Vitor Vicente, Março de 2011

Conheci um português com uma enorme vontade de partir. Esteve em Dublin, a convite de um amigo comum, também português. Durante uma semana, o visitante sonhou de olhos abertos. Teve o paraíso a seus pés. Foi um César em todos os caminhos que trilhou.
Não o vi no dia em que teve de voltar para Portugal. Vi-o na véspera. A véspera é pior do que o dia da partida. A véspera pode ser um verdadeiro vexame. É quando mais sentimos que estamos a ser escorraçados. Que falácia é pensar-se que na véspera damos tudo o que temos e não temos dentro de nós. Não. Na última noite, por mais que queiramos dar algo ou deixar algo ao mundo, estamos semi-vazios. Como o copo que vai a meio e que, por qualquer estúpida superstição, não conseguimos terminar. Na véspera sentimo-nos a esvaziar. A evaporar. 
Este português ter-se-á defendido com a ideia de que, mais cedo ou mais tarde, terá que para cá voltar. Não mais como um breve vapor, antes de vez e para fazer vida. Com solidez, seriedade. Terá pensado, pergunto-me, que todos os sonhos não são sólidos nem sérios? Terá pensado que o mundo dos lúcidos é um território sujo e sórdido? Duvido. Quem  sonha tão alto jamais o alcança. Não tem outra pressa senão em soltar-se da âncora. Em libertar-se desse peso, desse gigantesco e tremendo peso. Para que, por fim, possa partir.

P.S. Revi-me no português que queria partir. Traguei-lhe os trejeitos que já não tenho, aplaudi-lhe as ânsias e incitei-lhe a fazer-se ao leme das mudanças. Foi a minha maneira de lhe retruibir por me permitir reviver-me a mim próprio, com a de-vida distância. 

sábado, 12 de novembro de 2011

Com a de-vida distância IV


Bandeira Portuguesa no dia da final da Liga Europa - Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2011

Comiamos castanhas como quem come pop corn. Podíamos até chamar-lhes de pipocas sazonais. Sabíamos que só as podíamos ter ali e agora, que logo esse sabor iria embora. Um sabor que se evaporava, volátil, como a própria vida. Que, um dia, seria levado para longe, por um qualquer vento e para uma qualquer terra que não conhecíamos e para onde nos apetecia partir.
Era um cheio que viajava no tempo e no espaço. Um cheiro viajável como uma sala de cinema. Como o cheiro das castanhas assadas que, hoje, voou até Dublin e me fez ter saudades dos doces finais de tarde, às Sextas e em Lisboa.
Ainda não sabia ao certo o significado do Shabat. Ainda não atribuíra uma cor a cada cidade. Na verdade, ainda não começara a conhecer cidades. Nem pensara que, algum dia, perderia a paciência por haver pouca paleta para tanto mundo. Ainda não conotara cada cidade com um cheiro.
Mas hoje cheguei a Lisboa através do cheiro. Ou melhor, no nevoeiro do carro do assador de castanhas de Joshua Benoliel. Não me resta outra maneira de voltar senão estas manhãs messiânicas e sebastianísticas. Vivo encoberto, vivo exilado. Com a de-vida distância.

domingo, 6 de novembro de 2011

Com a de-vida distância III

Na Noite da Transilvânia - Cluj-Napoca, Vitor Vicente, Janeiro de 2009


A amizade é à prova do tempo. Não importa por quanto tempo estejamos distantes, nem a diferença horária entre a terra onde cada um ergueu a tenda. Os amigos não se medem aos fusos. Os amigos estão sempre lá, na hora H.
Os amigos vivem sempre na mesma franja horária. Mesmo quando estão longe, mesmo quando estão ausentes. Entres estes últimos, incluem-se também os mortos.
Mas não é hora de falar da morte. A morte já é uma certeza, mesmo quando para a farra não é chamada. É hora de falar do Facebook, de como essa ferramenta social nos permite acompanhar o movimento contínuo e ininterrupto do mundo através das actualizações dos nossos amigos.
Pensamo-nos o centro do mundo. Pensamo-nos e, num certo sentido, somos o centro do mundo. Pelo menos, o centro do nosso mundo. Como os outros serão o centro do seu mundo. Auto-centrados, todos contentes com isso, como se fosse um título, um estatuto, consideramos que uns vão à frente e outros ficaram para trás. Nós cá, no nosso canto, estamos posicionados no meio. Privelegiados, claro está. Vemos alguns amigos a preparem-se para ir para a farra enquanto outros acabam de acordar da farra anterior. Mais tarde, somos nós que estamos com pé e meio na party, enquanto outros desaparecem com mensagens de boa noite e outros vão publicando notícias sérias e lúcidas.
Compreendemos que a viver é um acto cíclico. Que os amigos vão e e vêm, em consonância com o movimento do mundo. Haja maré vazia de amizade ou dêem corpos de amigos à costa, nós assistimos a tudo com a de-vida distância.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Com a de-vida distância II


Brasov - Cárpatos, Vitor Vicente, Janeiro de 2009

Enquanto vivi na Catalunya, viajei duas vezes com os meus pais. Uma a Amsterdão, a outra entre Paris e Bruxelas. Alguns colegas espanhóis tentaram convencer-nos a não querer conhecer a capital do continente: "Por que no te vas a Brujas?". Repeti: "Brujas?". Eles insistiram: "Si, tio. Brujas. En Belgica.". Pareceu-me ter percebido e dei uma palpite: "Ah Bruges!". E assentiram: "Eso es.". Só então entendi os espanhóis.
Entretanto, já entendera que o Halloween quase não existia em Espanha. Espantei-me. Em Portugal havia um crescendo de celebrações. Pensava eu que assim era em toda a Europa. Em Dublin toda a cidade o celebra. Durante dias. Como um Carnaval, com direito a traje a rigor e tudo. E em tudo o que é pub, nightclub e até restaurantes.. Em Barcelona "la noche de las brujas" passa em claro, excepto às discotecas dark e alguns pontos nocturnos pontuais.
O Halloween é melhor medidor de anglofilia. Quanto mais anexados à América, mais efusivos são os festins das abóbaras e afins. Além da América, todos os países anglófilos o comemoram com pompa e circunstância. Depois estão os países que, como Portugal, estão convencidos que tudo o que fale inglês nativo é nobre. E por aí fora, até à Espanha, até aos que vivem de costas para a civilização, como Cuba ou a Coreia do Norte.
O Halloween está para os Estados Unidos como o Carnaval para o Brasil. Já imaginaram como seria o impacto de um exército de vampirosos em Habana ou um desfile de mulatas no reino igualitário de Kim?
Eu não. A minha viagem foi outra. Deu-se no único club gótico de Dublin. Sempre que aterro num gueto deste cariz, não importa em que cidade, sinto que estou em Lisboa, que recuei aos anos idos e alcoólicos da adolescência. Sou então capaz de gestos e atitudes que supunha enterrados dentro de mim. Surge-me um monstro no meu próprio corpo. Eis o mais autêntico assombro de Halloween, eis-me a ter medo de mim. Eis-me a viver Portugal com a de-vida distância.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Com a de-vida distância I


Dublin - Rathmines, Vitor Vicente, Julho de 2010

Alguns amigos, os verdadeiros e afirmativos, aqueles a quem o ciúme pela alegria alheia jamais vem ao de cima, costumam comentar comigo no quanto fiz bem em "ter cavado deste buraco". Eu concordo - claro. A única maneira de sair de um buraco é cavar o próprio buraco. E abrir buracos dentro do próprio buraco. Até criar um complexo e sofisticado sistema de transporte inter-buracos.
Através desse meu buraco, vou vendo o que se passa em Portugal, no mundo - por aí fora. Sem fios, sem cabos (eu disse que o meu buraco era sofisticado), sobretudo pelo Facebook, tento perceber como é o Portugal de agora. Por vezes, parece-me que ainda foi ontem que me fui embora. Outras vezes, parece-me que foi há bastante tempo, que devo estar enganado e que nunca vivi senão aqui.
Pasmo-me em como poderia participar, hoje, dessa paisagem. Até que ponto poderia fundir-me ou destoar dela. Penso, penso demais. Divago, como quem viaja sem rota, nem aurora. Nada concluo, a não ser que tudo seria diferente, que eu não seria quem sou agora, que eu não veria as paisagens com os olhos de quem foi embora.
Por ora, sei que escondo-me, logo existo. Eis o silogismo do exilado. Não assisto a nada à distância de Dublin. Vejo tudo com a de-vida distância.
 

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