terça-feira, 31 de julho de 2012

Diáspora de Dublin XVI


Port Vell - Barcelona, Vitor Vicente, Agosto de 2011

Chego a casa após cumprir um caminho de chuva, ligo o computador como quem liga a ignição de um carro, e vejo vídeos da costa da Catalunya. Com um olho no écran e o outro na janela, de sobrolho meio que  desconfiado, meio que nostálgico, pergunto-me: que me faltou para ser feliz durante os quase quatro anos que vivi em Barcelona?
Sei bem que o sol, ou o sol de sobeja, com fartura até ao enjoo, não me chega. Sei - sim, tenho a certeza - de um certo sorriso solar que me alumia mais a alma do que uma sucessão de tardes ensolaradas. Ainda assim, a dez minutos a pé ou mesmo a a alguns minutos mais de metro do Mediterrâneo, continuo a interrogar-me como foi que não encontrei a fórmula (fórmula fácil, à mão beijada pelo mar!) para a felicidade nessas terras?
Talvez seja só a ansiedade por voltar a essas terras que, noutras temporadas, me pareciam a Terra Prometida. É certo que o regresso é só em Setembro. Que haverá mar e mar, e Malta também. 
Também sei que não sofro de ânsia de férias. Por mais que trabalhe - e olhem que trabalho muito, demasiado para o meu gosto de dândi - posso permitir-me a dizer que jamais faço férias e que apenas  viajo. 
Entre viagens e regressos à base, cargas de trabalho e regressos a casa, chego então à conclusão que a felicidade não é facto ou objecto palpável nesta ou naquela terra. A felicidade é uma faísca. De quem só nós podemos ser o fôlego, sempre que animados pelo Sopro.
Falte-nos o fôlego e - é fatal - pouco mais somos do que um fantasma .

sábado, 28 de julho de 2012

Diáspora de Dublin XV

Uma charrete no meu bairro - Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2012

Maneiras conformados com a morte, agarramo-nos ao poder da memória.  Por outras palavras, esforçamo-nos - ainda que padecidos de preguicite crónica, esforçamo-nos - por existir contra o esquecimento. E tudo o que resvale no esquecimento e não erija nenhuma torre etérea, tudo isso, esmorece-nos o espírito e embala-nos até ao bocejo.
É o caso das viagens do dia-a-dia, a caminho do ou vindos - chamemos-lhe assim, tal é a pouca poesia  - do  trabalho. Se pensarmos bem, ou se ainda nos for permitido pensar bem, perceberemos que a presença do trabalho é contra-natura no quotidiano daquele que viaja.
Dessas viagens não trazemos mais que recordações de realidades vagas, infinitos imprecisos e intermitentes, em suma impressões embaçadas de quem vislumbra o que não lhe é dado a ver e, ainda assim, vê sem pouco ou nada fazer por issso. Dessas viagens trazemos o desconsolo de não termos ido mais além, quando às viagens devemos o termo ido longe, assim como as lembranças que, a posteriori, se revelarão as mais longas. Mais longas e mais verdadeiras, tal era o vigor, a entrega, a estrela que brilhava dentro de nós.
Não consigo descortinar se essas viagens se fazem demasiado depressa ou demasiado devagar para que possam reter a requintada vigília do viajante. Digo sim, e com a segurança de quem tem a certeza, que são viagens que fazemos dormidos, com a alma na almofada e o corpo coberto por uma couraça.
Digo ainda que essas viagens podem ser feitas em Dublin ou noutra cidade - de preferência, capital - qualquer. Da igual, rematariam, como quem cospe, os espanhóis. É indiferente, concluíram, de ombros caídos, os portugueses. A mim tanto se me dá, pois de tão cansado nada tenho a dar a ninguém.

domingo, 22 de julho de 2012

Variações sobre Velhas Viagens X


Belfast Ball, Vitor Vicente, Outubro de 2011

Há muito tempo que não escrevo sobre velhas viagens.
Na verdade, todas as viagens que fiz, por mais vivas que as memórias se mantenham, parecem-me velhas. Digo, todas as viagens que fiz antes de ti. E todas as viagens que fiz antes de ti são quase todas as viagens que fiz.
A fotografia – já me esquecia de escrever – tirei-a em Belfast. Mas podia ter tirado noutra cidade qualquer. A cidade nem vai aqui para o caso. Podia ter ilustrado com uma fotografia doutra cidade, ou das cidades em que viajei nos tempos em que não tirava fotografias.
Outros tempos. Mesmo as realidades visitadas recentemente, parecem-me realidades remotas, pertença de uma vida prévia, de um tempo que ficou para trás.
Agora todas as viagens são velhas. Amareleceram por serem anteriores a ti. Todas as viagens, assim como todos os trânsitos por todo o tipo de viadutos, são uma só viagem. Tanto mais velhas, mais verdadeiras.
Há o antes e o depois de ti. O antes abarca todas essas viagens que, juntas, são o trânsito mais que absurdo. O depois é desde o nosso primeiro dia a dois.
Adiante. Adiante que as viagens se fazem velhas e amarelas. A vida também. O amor é o único antídoto à prova da velhice.

domingo, 8 de julho de 2012

Lovely Latvia (Báltico Balnear)


Estância Balnear de Majori - Letónia, Vitor Vicente, Julho de 2012 

Há viagens que, em nenhum momento, nos dizem o que é dado a ver no destino.
É o caso do comboio que vai da estação central de Riga para a estância balnear de Majori. Espantem-se, sim, espantem-se: existe uma estância balnear no Báltico, lá para os lados da Letónia. Nenhuma paragem, nem mesmo Majori, onde se desce e se diz ficar a poucos passos/metros do mar; nenhuma paisagem entre uma e outra paragem parece ser possível levantar a possibilidade de haver uma praia por ali, sem que passemos por parvos.
Nem os passageiros levantam suspeitas, nada. As pessoas apenas têm uma aparência mais relaxada.
Relaxados não estaríamos eu e a minha namorada se, antes da aventura de dois dias em Riga e arredores, não tivéssemos consultado alguns colegas e o Google, o oráculo dos viajantes pós-modernos. 
Como disse, assim que se sai em Majori, não cheira a mar, nem a peixe, nem a lota; nem sequer se adivinha a areia. Há apenas uma animada avenida cheia de restaurantes e bares que vai dar a outra avenida também animada por restaurantes e bares – cheia de gente cheia de si própria, por se encontrar de férias ou simplesmente ser Domingo e, por isso, ter o direito de dispor de quem trabalha por turnos às avessas do calendário da civilização.
Ao menos, estes Eslavos estão mais descontraídos do que o cultivado aquando nas suas cidades. Eslavos assim só vi em Tel Aviv, amenizados pelo Mediterrânico.
Mas esta vila à beira do Báltico plantada parece-se a Paraty. Com casas tão pequenas que não podem ser chamadas de casas e tão grandes que não podem ser chamadas de cabanas. Quem diria que encontraria aqui um eco de Paraty ? Longe tão longe do litoral paulista...
Sarcasmo esse só superado por, após alguns minutos de mistério, dar-se de caras com a estância balnear do Báltico. Onde a areia separa o mar de árvores altas, de tantas árvores altas que já fazem uma floresta. Onde há um Havana Club e Drum N `Bass no ar.
A isto eu chamo ir pela ironia dentro. Ironia imensa. De se banhar no Báltico e se sentar debaixo de um sol que se põe pouco mais de um par de horas por dia de Verão.  

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Lovely Latvia (A realidade de Riga)

Rio Daugava - Riga, Vitor Vicente, Junho de 2012

Do pouco que passeei por Portugal não me foi dada a conhecer nenhuma cidade que tenha uma ponte para si própria. À semelhança do nosso país, também as cidades que o constituem cultivam as micro-divisas, tidas como freguesias, e põem a populaça de um lado e a nata na outra margem - à parte.
A Europa, por definição integralista, como se querem os pretensos impérios, é mais dada a conceber cidades divididas em duas, com um rio ao meio para amenizar a falta de mar. Rio que se pede ser encimado por uma ponte, por onde possam passar carros e comboios, charretes e cavalos e, por que não?, também pessoas.
Copenhaga, a cidade mais europeia da Escandinávia (ou devo dizer a cidade mais escandinava da Europa?) tem até uma ponte para uma outra cidade de um outro país: Malmo, na vizinha Suécia. Não fosse Copenhaga a ponte mais que perfeita entre a Europa e a Escandinávia.
Chegado a este ponto, isto é de ponte em ponte, damos de caras com Riga. Cidade entrecortada pelo rio Daugava e que muito lhe contribui para o estatuto de cidade da Europa continental. O rio e os edifícios de recorte holandês e germânico, todos eles erguidos muitos anos antes – ou seja, séculos – do domínio sueco e das sovas soviéticas.
Na verdade, Riga revela-se a ponte imperfeita entre a Escandinávia e a Rússia, ou o que de russo resta na Rússia e arredores. Imperfeita por, para pesar dos pecados dos letões, pender para o lado leste.
De resto, a realidade de Riga, não obstante uma certa nostalgia, parece debruçar-se na direcção do futuro -  ainda que atabalhoadamente.
Cidades assim, cidades-ponte, jamais permitirão sentir-se parte dela. Incrustam-nos o estatuto de estrangeiro à partida e à chegada. Nem aos nativos parece ser possível fruir da sensação de pertença. Palavras para quê? São cidades-ponte, senhores, são cidades-ponte. 
 

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