quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Diáspora de Dublin XI

Missa Cristã em Goa, Vitor Vicente, Dezembro de 2011

Nada melhor do que o impacto do Natal na Irlanda para avaliar o alcance universal da palavra de Yeshua (para os amigos e para os inimigos: Jesus Cristo) na História da Humanidade.
Para começar e para que conste: o Natal irlandês pára literalmente o trânsito, fecha lojas e escritórios; em suma, anula a azáfama citadina desde a manhã do dia 24 até à manhã do dia 28 de Dezembro. (Mais um esforço, ó irlandeses, e podeis ombrear com os israelitas e seu Hanukkah).
É certo que nada se compara à paralização operada pelos católicos e por cá. Contudo, e em  todo o mundo, nada nem ninguém logra passar despercebido à pseudo-data de nascimento de Yeshua. E o mais incrível é que toda a gente sabe que essa data é uma grande treta; desde os agnósticos que são anti-cristãos o ano todo e se rendem às rabanadas na noite da Consoada, passando pelos Judeus que não vêem o Messias naquele menino que nasceu em Belém, até aos islâmicos extremistas que têm raiva dele e ódio de quem lhe presta culto. 
Eis chegados ao ponto: todos temos uma palavra a dizer, uma posição sobre a vida do homem que, como nenhum outro, governa o curso do mundo. Ninguém lhe é indiferente, logo todos lhe reconhecemos (ainda que inconscientemente) importância. Um pouco como, hoje em dia, para com a América. Apaixonados ou completamente avessos pela cultura americana, sentados no sofá de comando remoto na mão ou a colar cartazes com a foto do "Tio Sam" e a grafitar a legenda: "Wanted: Dead or Alive" - todos deixamos a nossa energia ser consumida pela América.
Eu cá estou a consumir o cérebro por esta semana, todo o santo o dia, sair directamente do trabalho para o sofá; sem conseguir chegar a tempo de ir ao ginásio que, enquanto ainda for Natal por estas terras, fechará a horas próprias para católicos. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Que horas são em Haaretz? V

Nadin, um Pub de Jerusalém, Vitor Vicente, Setembro de 2010

...São horas de celebrar o Hanukkah
Antes, ainda assim e como prometi, quero expressar a minha condenação pelo que se passou no Israeli Film Days, em Dublin. Olhem que  nem sou de condenar. Quanto muito, de criticar. 
Não percamos mais tempo. Um pequeno parênteses, feito de poucas palavras, é tudo o que preciso para manifestar a minha indignação.
Nas vésperas do evento, o Filmbase, organização que apesar de, há alguns meses atrás, ter cedido o mesmo espaço para o Festival de Cinema de Gaza, recebeu cartas a pedir o cancelamento do "evento sionista" e foi alvo de tentativas de assalto e de vandalismo. Os vândalos fizeram ver-se e ouvir-se à porta e dentro do recinto durante todos os dias do "dito evento sionista" Respectivamente: a chamar nomes simpáticos às pessoas (fossem elas simples cinéfilos, fossem quem fossem) que entravam e saíam do recinto e a dar "vivas à Palestina" e a apelar ao "boicoite contra o pseudo-Apartheid."
Uma verdadeira vergonha. Toda a gente tem direito a ter uma opinião - ou não, mas essa é outra questão. Mas toda a gente tem o dever de não invadir o espaço dos outros. Por acaso, alguém foi gritar para o Festival de Gaza? Não. A malta ficou em casa.  Cada qual, contente, na e com a sua quinta. 
Onde está a tolerância e o respeito mútuos que esta gente tanto apregoa? 
Mas é hora de comerorar. Hora de lançar luz e de lembrar o Talmud: "Vivam bem. É a melhor vingança".  
Happy Hanukkah!

domingo, 18 de dezembro de 2011

Viagística X

Teleférico de Hong Kong, Vitor Vicente, Setembro de 2011

Viver sempre com uma viagem à vista. Ser uma ilha ambulante. Sobreviver. 

sábado, 17 de dezembro de 2011

Diáspora de Dublin X

La Fitness - Dublin, Vitor Vicente, Julho de 2010

Last night, I left the Pub after the third pint...a fim de, esta manhã, cumprir a segunda sessão semanal de Spin.
Confesso: custa-me comungar através dos copos com os outros corpos. Chegar às outras almas, sei de antemão que não consigo, que jamais serei capaz; pela simples razão de que a noite é um baile de corpos de que esvaziaram o espírito.
Não, não me tornei anti-noite. Agrada-me a "petit-mort" que se e só se pode experimentar à luz de néons. Contudo, não aceito que a noite me comprometa o dia seguinte. Por isso - e, como estas micro-revoluções não se fazem sozinhos, também por me encontrar na Irlanda - começo a noite cedo.
E cedo levanto no dia seguinte. No caso do Sábado para a sessão de Spin. Onde, calado e às pedaladas, entro em comunhão com os outros corpos que, como eu, montam bicicletas para abater os abdominais.
Amanhã, Domingo - para quem não for tomado pela febre de Sábado à noite - amanhã há mais.

P.S - Esta fotografia não é do ginásio onde faço Fitness e levanto halteres. É do primeiro ginásio de Dublin onde me matriculei. Nesse dia deslumbrante em que, feita a matrícula, pela primeira vez senti que acabara de inaugurar um novo quotidiano.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Diáspora de Dublin IX

Goa - Mercado da Cidade Velha, Vitor Vicente, Dezembro de 2011

A Índia, ainda. Já não enquanto pátria propriamente dita. Antes enquanto pátria transmutada no que trouxemos dentro de nós e reencontramos no quotidiano. 
Primeiro, e principalmente, os pedintes. Dá vontade de lhes dar pontapés, de atirá-los da ponte, às águas frias do rio Liffey. Toda a gente soube - mesmo os que, como eu, não têm televisão em casa - do documentário sobre os pedintes que fazem turnos para se ajoelharem numa ponte ou perto de um ATM de Dublin.
Mas essa é a realidade da rua. Que conhecemos na do condição de transeuntes, de deambulantes armados e alimentados até aos dentes. Ao chegar a casa, ao sentir o conforto nos cumprimentar na cara, lembramo-nos do quanto e do quando nos lamuriámos por esse dia ter sido mais uma cópia de todos os outros dias. Porém, passámos a saber que são cópias a cores, que onde víamos cinzento e chuva, vemos agora abundância e arco-íris.  
Assim nos ofusca a nossa aparente opulência.
Até que, já semi-adormecidos, deparamos com um, dois, dez, uma data de indianos. Paramos e perguntamo-nos: que fazem aqui? Como se fossem personagens. Como se fossem pertença de um filme e se tivessem evadido do ecran. 
Assustados, acordamos. Nunca estamos preparados para que ponham à prova a nossa tolerância.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Lições da Índia - Anti-Semitismo

Agra - Taj Mahal, Vitor Vicente, Novembro de 2011

O mundo do turismo não é um outro mundo. Antes a continuação do quotidiano, meio que virado às avessas para Inglês não ver e rei se crer.
Muita da "visão prática" do turista é anti-semita. Basta pensar que o - chamemos-lhe assim - circuito judaico jamais é apresentado ou patrocinado por algum "agente alheio".  Também é certo que não é próprio do Judaísmo a preocupação em popularizar os seus lugares de culto ou até a sua cultura. Mas ainda não é menos certo que pouca gente se interessa por Israel e pelas Judiarias dessas Diáspora fora. Na verdade, as pessoas (podia dizer turistas) só tendem a interessar-se pelo que lhe pôem à frente dos olhos - e as restantes realidades, repugnadas, afastam com as costas da mão. Por aí se vê que o turismo não é propriamente diferente da conduta comum do dia-à-dia.
Existem preconceitos contra todas as etnias e religiões. Não escapam Hindus, Muçulmanos e Budistas. Ao mesmo tempo, existe toda uma falange de fascinados que confude os Hindus com o Gandhi multiplicado por mil, que adorava assistir a uma dança do ventre na Mesquita da esquina e que pensa que cada Templo no Tibete está repleto de túnicas andantes que transmitem paz e tranquilidade. 
Judeus? Alguns acham que já nem existem. Outro não, não gostam. Diriam: "Têm o dinheiro que eu não tenho. Que já é pouco e não me chega mais do que para ir de férias à Turquia comprar tapetes lá pra casa...".
A instantânea e ténue tolerância dos turistas não é para todos. 

P.S. - A fotografia dispensa legendas. Mas não dispensa lembrar que este Blog não é islãomofóbico. 

Lições da Índia - Isolamento

Jaipur - Pátio, Vitor Vicente, Novembro de 2011

Depressa percebi que não partilhava paisagens com os meus companheiros de viagem. Eu estancava antes coisas que não existiam no espaço. Que coisas, perguntam-me? Erupções do espírito, deprovidas de outra efectividade que não a do delírio andante.
A pouca magia e misticismo que encontrei na Índia resultaram da minha mente. É o meu sopro para suportar o tédio, a minha redenção da realidade. Na verdade, todos nós romantizamos a realidade. Uns a crer que chegam aos outros através de uma interacção que jamais comunica com o íntimo, outros a esgravatar no isolamento infinito e a decorá-lo com a muralha humana em redor.
Eis como a minha ilha ambulante deambulou pela Índia: aos tropeções em pernas, táxis e vacas. Sem outro intuito senão o de convocar a casa que só visito quando estou de viagem. Casa secreta e solitária. Que só eu conheço e onde me encontro. Onde respiro e, por fim, me sinto e existo. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Lições da Índia - Dinheiro

Encantadores de Serpentes - Jaipur, Vitor Vicente, Novembro de 2011

Se há um Deus único e adorado à escala universal, esse Deus dá pelo nome de Dinheiro. A diferença está no quanto somos devotos, até que ponto nos curvamos quando prestamos culto.
Havia que elencar toda uma mercenária estirpe, em suas várias faces e variadas feições. Tempo perdido para o presente propósito. Tempo - já lá diz o mandamento dos ditos devotos - tempo é dinheiro. Fiquemo-nos pelos indianos. Esses mesmos: os exóticos, os das túnicas. Suas túnicas dão pano para mangas - para planos debaixo das mangas.
Alguns indianos acham que o tempo dos outros é dinheiro. Eu explico com um exemplo: todos os táxis que apanhei na Índia, antes de me deixarem no destino acordado, fosse um hotel, um restaurante ou até o Taj Mahal, tentaram fazer-me parar num local onde pudesse fazer umas comprinhas que se reverteriam em comissões para os bem-intencionados dos motoristas. Como se eu não soubesse onde dormir e que comer; ao fim e ao cabo, os elementos mais básicos do viver humano. O cúmulo deu-se, certa tarde, quando tentei ver o Taj Mahal e tudo o que consegui visitar foi uma oficina onde se fazem cerâmicas com o mesmo mármore do dito monumento e ir a um teatro assistir a uma peça sobre a história do dito (digo, interdito?) monumento. 
Eu entendo que se queira tirar dinheiro aos turistas. É prática comum e corrente (um dia dir-se-á clássica) em todo o mundo. Mas não entendo que se engane deste modo. Senti-me uma máquina com que fazer dinheiro. Mais do que o meu dinheiro, senti que me estavam a tirar tempo. E o tempo é o mais precioso e privelegiado dos bens. Uma vez roubado, jamais é recuperado. Existe pior espécie de ladrões do que ladrões de tempo?
Por este e por outros motivos, devo dizer que esperava mais misticismo da Índia, que esperava uma atmosfera mais mágica, uma energia exótica, quase sagrada. Mas nada. Encontrei-me neste país com  pessoas que querem fazer dinheiro sem olhar a meio, sem tacto humano, à custa de qualquer caucasiano. Ainda falam dos americanos. Ainda falam dos judeus. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Lições da Índia - Nada

Goa - Junto a uma Igreja Portuguesa, Vitor Vicente, Dezembro de 2011

Nunca conseguiremos pesar o nada enquanto não tivermos o nada dentro de nós. Podemos, quando muito, medir a olho o quanto vale uma vida quando nada se tem a perder.
Ainda que à distância, vale a pena a ver: as crianças que dormem, desnudas, à porta da igreja ou na rua; a mãe que segura o bebé com um braço e com o outro pede pão; os enfermos que se movem a quatro patas ou que quase rastejam; as portas abertas do hospital de leprosos. 
São vidas, são ainda vidas. Vidas vencidas pela própria vida. Vidas que, quando e assim vistas, me fazem valorizar a minha e a tua vida. Vidas desprovidas de direcção, sem terra à vista onde sonhar por uma outra sorte. Sem saúde. Sem a chance de abençoar a dádiva divina que é a vida.
Divida-se a Índia entre pessoas pobres e principes podres. Detesto, e sempre detestarei agudas discrepâncias sociais. Mesmo que continue a ter o privilégio de poder aterrar e partir da Índia em Business Class, mesmo que me tenha movido de táxi em Jaipur, Agra, Deli e Goa. Odeio fossos destes. Odeio, odeio. 

P.S. A foto não retrata a muita miséria de que trata o texto. Há realidades tão violentas que me recuso a fotografar.  Não, não sou mais um europeu que fotografa os indianos como se fossem bichos do pântano, como se a Índia fosse um imenso zoo a céu aberto. 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Lições da Índia - Indiferença

Goa - Cidade Velha, Vitor Vicente, Dezembro de 2011

Não mais mudar o mundo à maneira de Marx, nem mudar a vida para ir ao encontro da verdadeira vida como vaticinou Rimbaud. Ou talvez ambos, simultânea e sorrateiramente, sem que nada nem ninguém dê conta, enquanto me entretenho a enganar o tempo nesse acto diletante que é  viajar.  
Disse diletante, digo também ocioso. Porém, não o digo preguiçoso. A toda a hora, a qualquer momento e em qualquer parte do mundo, a sensibilidade é posta em causa. Ao fim e ao cabo, é continuamente apurada. Tanto maior o esforço, maior o choque.
Chamam-lhe choque cultural. Coisa pouca. Muitas vezes, para ter um choque cultural, basta abrir a porta de casa e ver os vizinhos. No caso da Índia, é um choque - mas um choque completo. Que passa pelas pessoas que vivem na penúria, até aos que abastecem o prato à custa de vender refeições numa qualquer cabana de uma qualquer praia de Goa e que dali não saem e que dali não sabem sequer para onde se vai. 
Gente que vive no mesmo mundo, que faz parte do mesmo século que nós, os que vivemos e viajamos à sombra de um salário. Eles não são mais nem menos humanos do que nós. Eles são apenas diferentes. É inútil tentarmos ser iguais. É ignóbil sentirmos indiferença. 
 

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