domingo, 16 de março de 2014

Diáspora de Dublin XXXVI

Canal em Dublin 4, Vitor Vicente, Junho de 2013

É curioso. Dublin 4 é uma das minhas zonas preferidas da cidade e, ao mesmo tempo, onde mais sou alvo de racismo. Outras zonas (digo, de racismo) são a margem norte, O' Connell Street e arredores, onde o obram vagabundos e drogados que, dada a falta de cérebro, não são dignos do termo bandidos. Aí o racismo é do tipo rural, em que a deplorável prática consiste em pouco mais que detestar tudo o que aparente ser diferente e desconhecido. Em Dublin 4 é outra fruta: trata-se de um racismo depurado e que resulta de uma diligente triagem entre quem segregar e quem tolerar e até aceitar. Tal como em Portugal.
É- novamente - um caso curioso. Em Portugal, no que toca a esse termo controverso que é a raça, eu sou branco. Na Irlanda e na Europa - digo e, por tratarem-se de realidades separadas - eu sou escuro. Daí que quando me refiro aos branquelas, regra geral, não sou entendido pelos portugueses. Na verdade, o desentendimento não é de agora. Já quando vivia entre eles, os brancos, não nos entendíamos. Nem com os pretos, quero dizer, os negros. Ou vai se dar o caso de me chamarem caucasiano, coisa que, diga-se, até combina mais com a minha tez. 
Mas deixemos para trás o Cáucaso e o Atlântico. O caso aqui é o de Dublin 4, a zona da cidade mais inglesa e menos irlandesa, logo um bocadinho mais continental, em tudo de bom e de mau que esse título acarreta. O racismo, esse, continua. Porque os irlandeses, para lá das portas dos "pubs" e sem "pints" em punho, são tão racistas quanto os outros brancóides. Um complexo de superioridade tão cretino quanto o dos pretos com a valentia da verga ou dos latinos que pensam poder enganar meio mundo à custa de manhas e artimanhas.
Nesta mixórdia, eureka, consigo encontrar a explicação para o meu conforto enquanto alvo de racismo pelas bandas de Dublin 4. Tão simples como sentir-me ainda mais distinto.  

sábado, 8 de março de 2014

Diáspora de Dublin XXXV

Estátua de Alfredo da Silva - Barreiro, Fevereiro de 2014, Vitor Vicente

É fato: retomei o gosto pelo negro, no que à vestimenta toca. Não se trata, todavia, da velha vestimenta, de que hoje faço chacota, quando a ostenta aqueles a quem já caducou a rebeldia de sair à rua conforme lhes dita a gana. No meu caso, o revivalismo pelo negro tem que ver com a constante revisão a que me sujeito. É, de resto, por isso que me olho ao espelho: para ver se ainda me revejo no meu reflexo.
O roupeiro - como, aliás, a própria casa - reflete o nosso estado de espírito. O roupeiro revela-me que eu voltei - e assim volto ao assunto - ao negro e que esse regresso tem que ver com o revisitar-me, com o redescobrir-me.
Eis o sentimento de voltar a envergar a velha casaca. Não que com isso queira dizer que tenho andado com a casaca virada do avesso. Foi tudo tão simples como ter questionado a casaca, experimentá-la ao contrário, para depois escolher a que melhor entendo combinar comigo. Exercício espiritual que muito boa e dogmática gente, sejam politicamente de direita ou de esquerda, jamais fez. Quem é que, alguma vez na vida, se atreveu a pôr em cheque as suas convições e/ou crenças e a ver o mundo na versão inversa do que habitualmente vê? Aposto que poucos, quase nenhuns de nós.
Posso parecer pretensioso, mas eu não quero ser pertença desse grupo. Por outro lado, também não assinalarei o luto pelo abate de consciências e pela decadência da cidadania, tanto na urbe, como no campo. O meu luto é outro. O meu negro também. Existem várias tonalidades de negro, assim como as há de todas as cores. Eu só reivindico duas coisas. Uma é aquela cor que seja só minha. A outra é que se extinga no mundo o pior dos racismos - que consiste, nada mais e nada menos, do que em segregar aquele que tenha uma cor que seja só a sua. 
 

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