segunda-feira, 13 de maio de 2013

Resorts a Céu Aberto e à Prova da Realidade III


Árvore do quintal cá de casa - Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2012

Pode parecer conversa fiada. Mas faz já algum tempo que eu tenciono pôr um travão nas viagens. Em prol do quotidiano circundante, da realidade da rotina, de extrair tempo ao tédio e ao próprio desgaste do dia à dia.
Um desafio daqueles. Daqueles inomináveis, inexplicáveis. Adianto eu, sem expetativa de o superar.
Outro desafio consiste em tirar uma semana - senão mesmo mais - de férias para ficar em casa. Sem sair do sofá, senão em certas situações que a isso obrigam.
Desta feita, das duas semanas de férias de que (mais ou menos) dispus, fiquei os primeiros sete dias (sete, se contar com o primeiro fim de semana que, quer estivesse de férias ou não, seriam dias off), em casa.
Contudo, sempre à espreita e na tensão de saber quando e onde ia dar a fuga.
Até que, por fim, dei mesmo de fuga para as Ilhas Faroé, donde fugi para Israel e onde fiquei uma mão cheia de dias antes de voltar à base.
Acabei por não aproveitar os dias em casa como queria. Para os curtir, teria de não ter nada em vista, nenhuma espécie de esperança ou expetativa senão a de poder, todo o santo dia, espreguiçar o esqueleto ao comprido. De, dia após dia, sentir-me a crescer. De me sentir cheio por não ter feito coisa nenhuma. De encher as quatro paredes da casa de histórias que não são passíveis de serem contadas a ninguém por só se passarem na minha cabeça. De não me ralar minimamente com isso, por não ter ninguém com quem partilhar essas histórias sem tempo nem espaço.
Assim sendo - ou melhor, assim não sendo - ainda não foi desta que fiz férias em casa. Até porque, quer em casa,quer neste ou naquele continente, eu nunca faço férias. Eu viajo.
No fim de contas, o que eu procuro é o tal resort à prova da realidade. Quem me dera que, algum dia, possa residir nesse resort como qualquer comum dos mortais reside numa casa. O ano todo, o calendário completo.
Até lá, é mais um projeto inacabado. Um complexo (e que complexo!) que ficou a meio, onde bate o vento. 

domingo, 12 de maio de 2013

Com a de-vida distância X


Esplanada em Eilat - Israel, Vitor Vicente, Maio de 2013

Termino de ler o nono tomo do diário de Miguel Torga. Penso em J. Rentes de Carvalho e Francisco José Viegas. Todos transmontanos. Todos detentores de um Português apurado, tradicional até.
Como não se vê nos jovens escritores, nem se consegue adivinhar nas gerações vindouras. Multidão apressada e anónima, onde só se vislumbram tipos de tigela e meia, atarracados e tíbios, sem fibra nem espinha. É vê-los com a pose cerimonial do padreco da aldeia, com o ar cabisbaixo de quem acabou de sair da clínica de desintoxicação, com pouco tento na língua a comentar assuntos sociais ou emperoados em eventos e redes sociais. Em suma, sociopatas de toda a espécie e em número suficiente para servir de objecto de estudo aos finalistas da licenciatura de Neurologia que não sabem que fazer com o canudo.
Sinto falta - eu, assinala-se, que nasci em 83 - de abrir um livro em Português e pensar que podia ter sido escrito pela mão de um almirante ou pelo punho assertoado de um diplomata. Por exemplo, por um José Cardoso Pires, possuidor de um Português perfeito, personagem que consigo ver numa doca, num porto, numa gare. Ou em Ramalho Ortigão, o maior génio da Geração de 70, que consigo imaginar numa mercearia em Londres ou a trocar as voltas (digo, a fazer troça) de uma dama da Toscânia. 
Em contrapartida, chega-se ao Chiado e o mundo cheira a mofo. Cheira a gente que só navegou na naftalina. Que fala do deserto ou do sol da meia-noite como se fossem conceitos, coisas do lá longe. Até o infinito, de tão amorfo,o estrangulam como algo intelectualizado. O Chiado, enfim, está cheio de gente que acha estar num plano mais elevado,por discutir temas mais altos do que os penaltis que se discutem na taberna ali ao lado.
Dito e discutido isto, afasto os trapos do Chiado com as costas da mão e torno a Trás os Montes. Volto então onde só fui uma vez, numa excursão da escola e a Foz Côa. Uma das poucos viagens em grupo que fiz e em que me senti mais só do que as viagens em que só viajei.
Tudo isto acontece-me através dos diários de Torga. Em que cada palavra é tratada com o respeito de quem tudo respeita, inclusivé cada pedra que se colhe pelo caminho. Em que cada palavra é talhada como uma pedra em que se reconhece potencial. Em que cada palavra é polida. Em que cada palavra é preciosa.
Para essa precisão, é preciso limpeza, higiene e humildade. Tudo isso dá trabalho.
Volto então às paisagens de Portugal por onde pouco ou nenhum tempo estive. O regresso, à cautela, dá-se com a de-vida distância.

sábado, 11 de maio de 2013

Resorts a Céu Aberto e à Prova da Realidade II

Banhista no Mar Vermelho  - Praia das Corais de Eilat, Vitor Vicente, Abril de 2013

O idioma do turismo, oficialmente falando, é o Inglês. No final, de contas, Easy English para aqui, Easy English para acolá, andamos todos às turras para nos entendermos em Turistês. A troco de uns trocos e para brancóide vir nos ver. 
Tomemos então uma dessas palavras em Turistês, digo em Inglês. Tomemos a palavra Resort. Palavra tão intraduzível como tantas outras, que se impôe em Inglês, com um único propósito: ficar ao alcance do cérebro diminuto do brancóide flip flop.
Por Resort entendo eu - que não sou brancóide por nenhumas bandas, muito menos por estas onde escrevo e onde me falam directamente na língua nativa - por Resort entendo um nicho que resiste à realidade propriamente dita e que dá a ilusão de que a única realidade existente se resume à que se passa entre as quatro paredes do retiro a que, rendidos, como quem chama um amigo, tratamos por Resort.
Eis-nos então em Eilat. Resort a céu aberto, sem outras paredes que não as fronteiras terrestres e marítimas com os amigos vizinhos. Resort onde faz sempre sol, onde nunca chove, com exceção de um outro rocket enviado pelos tais amigos vizinhos que não se gostam de se divertir e têm inveja de quem, como nós, se diverte à brava e à descarada. 
Acresce ainda que neste Resort (eu avisei que, à falta de equivalente, este vocábulo ia-se tornar recorrente) se misturam Mediterrânicos com Russos, duas faces da mesma raça (por este termo recuso-me a pedir desculpa) que desbundam da vida no fio da navalha e à beira do Mar Vermelho.
Mar Vermelho que, juntamente com o deserto (Negev, pois devemos chamar as coisas pelos nomes), fazem de chão e de tecto a este Resort de céu aberto. De céu azul, azulíssimo, e imenso. Não muito longe (passível de uma One Day Trip, Mr Smith!) dista o Mar Morto. Mais à frente temos o Mediterânio, depois  o da Galileia.
Moisés, há milénios atrás, sabia que, ao dividir as águas, tornaria Haaretz num Resort em pleno no coração do mundo e o que mais nos abriga do que mais nos agride: a realidade. 

domingo, 5 de maio de 2013

Resorts a Céu Aberto e à Prova da Realidade I

Crepúsculo no city centre de Tórshavn - Ilhas Faroé, Vitor Vicente, Abril de 2013 

...parece que o tempo não passa. Parece, sim, parece, quando na verdade o tempo não pára. Eis a ilusão das ilhas. Cujo maior património é possuirem um cronómetro próprio. 
Ou então o tempo até passou por aqui. Passou, pois, terá passado. Porém, petrificou. Perante a overdose de beleza, o tempo petrificou-se num desses colossais rochedos de que é feita a realidade das Ilhas Faroé.
Rochedos lado a lado com lagos. Lagos que lambem o mar. Tudo esculpido com pó de estrela. Inclusive as sereias, os salmões, todo o material ilhéu que nos enche as medidas e mata maneiras a fome. 
Porque o próprio PIB deste povo provém quase todo da natureza. Do peixe, para quem se amanha no mar ou trabalha na terra em actividades afins à pesca. Do turismo, para quem cuida das cortinas que, qual anfiteatro, cobrem as tímidas mas imponentes paisagens. 
Pusessem os Faroeses numa cidade a sério e, em poucos segundos, encontrar-se-iam em estado de sítio. Filas, nem vê-las, nem adivinhá-las. É mais é ovelhas. Todos são vizinhos uns dos outros. Pedem emprestados pedaços de relva para pôr no telhado, como quem pergunta por uma pitada de sal. 
Até as ilhas distam o tamanho de um túnel. Que, se ninguém nos dissesse, digo se não vivêssemos no tempo sem-surpresas do Google Maps ou do Lonely Planet, jamais suspeitaríamos tratarem-se de túneis sub-aquáticos. No fundo, todo o ilhéu está, por índole, isolado. E, ao mesmo tempo, perto do seu semelhante. Até nós, visitantes, enquanto cá estamos nessa secundária condição.
Enquanto o tempo nos der permissão. Até chegar a hora de partir. O tempo, esse que parece que por aqui não passa ou que por aqui petrificou, o tempo não pára. Amanhã é hora de ir embora.
As paisagens permanecem incrivelmente quietas. Tenho a certeza que estarão na mesma posição, se o nosso síndroma de impermanência não nos hipotecar o regresso e voltarmos às fugidias Ilhas Faroé.  
O tempo destas - e suas primas- ilhas é inacessível. É o tempo de facto. Tão efectivo que dá a ideia de ser feito de fantasia. É o tempo do infinito. 

sábado, 4 de maio de 2013

Diáspora de Dublin XXIV

Entrada e/ou Saída de St Stephen´s Green - Dublin, Vitor Vicente, Março de 2011

Através da vitrine de um dos poucos bares que não enchem as medidas da palavra Pub (ou devo dizer de um dos poucos pubs que não preenchem os requisitos da palavra Bar?) vejo: um jardim que tanto podia ser aqui como do outro lado do Celtic Sea e a paragem terminal (ou inicial, consoante o caminho de cada um ) de uma espécie de metro de superfície (ou devo dizer elétrico?) cujas linhas não cruzam e obrigam o pobre do passageiro a asseguar as conexões pelo próprio pé.
Pelas ambiguidades listadas no primeiro parágrafo - digo eu, que sou sempre cético - já dá para adivinhar a índole dúbia de Dublin. Digo, e escrevo, do Dandelion, o tal metade Pub, metade Bar (e ainda, nas febris noites de fim de semana, metade Discoteca), que fica em pleno coração da cidade que, de tão campónia e cheia de gente generosa, não pode ser chamado de centro da cidade, nem nos proporcionar o aperto disfarçado de abraço que nos dá a multidão duma metrópole.
Eu cá tenho encontrado espaço. Já lá vão três anos a habitar esta cidade como trampolim para outras cidades, outros mundos. Entre os quais o meu mundo que, tantas e tantas vezes, é feito sentado a uma mesa qualquer, acompanhado de pints que não devem ser chamadas só e simplesmente de cervejas, mas sim - e esse ensinamento colhi aqui -serem tratadas pelo nome próprio.
Não estou propriamente triste. Só consigo entristecer-me até onde o meu temperamento de trevas e de pedras me permite. É apenas a nostalgia da cidade faz-de-conta, do tempo que não dava nada por ninguém, nem ninguém podia prestar-me contas por coisíssima nenhuma. Uma cidade e um tempo que existiram há três anos atrás, quando vim para aqui viver. Que por aqui vivia com a leveza que, há seis anos atrás, por aqui andei de visita.
O truque, anuncio eu, sem saber se estou num Pub ou num Bar, é viver na cidade onde se mora com o ânimo e alma leves de quem vem de visita. Não fosse este mundo pouco mais que um local de visita, que um lugar onde nos deixaram vir dar uma volta. 
 

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