sábado, 29 de setembro de 2012

Amor de Mediterrâneo II

Piscina de Pedra - Malta, Vitor Vicente, Setembro de 2012

Cabe à condição de ilha um cuidado maior sobre si mesma. Um cuidado maior, quase quotidiano. Tão quotidiano e enraizado na existência do cidadão comum que, aos olhos dos bárbaros, chega a parecer corriqueiro.
Em Malta, cuidado é sinónimo de zelo. Como se, independentemente do que aconteça no resto do mundo, aqui sempre haja lugar ao dia de amanhã.
É esta a autista cronologia dos ilhéus. O tempo, de tão próprio e pessoal, aparenta estar parado.
Porém, os autocarros de Malta avançaram no tempo e não são mais os mesmos. Eram conhecidos por estarem perros e precisarem de óleo que nem decrépitas máquinas de matraquilhos e serem guiados por senhores de etiquetas de maltesas maneiras, senhores esses que, entre sandálias e santinhas, urravavam com os turistas, essa multidão que, não fosse a despesa que faz, seria detestável. 
Mas Malta não tem dedo para o negócio. Nem se lembraram de transformar os autocarros em atração turística. Antes abateram-nos a troco de uns trocos suficientes para comprar toneladas de pastizzis.
Os pastizzis continuam baratos como antes. As pizzas também. Ao fim e a o cabo, tudo continua parado, pois, à semelhança de Valletta, a ilha é imune à passagem do tempo. Que o diga a minha namorada, hoje tida como mais uma estúpida visitante, outrora assente (assente, aqui, não é o mesmo que aceite) como uma residente.
Para os malteses, o importante é permamenente barato. O prazer é sem preço. A praia, o sol e o mar salgado continuam de graça, como graças darão ao Senhor pela chuva que não cai na ilha. Com a diferença de que, ao contrário dos irlandeses, outros ilhéus recém-indepedentes da coroa Inglesa, não há por que se benzer, sempre que se cruzam com uma das muitas igrejas cá do sítio.
Ingleses é vê-lo em Sliema que, sem eles, seria ainda mais sublime. Mas tudo bem. Com ou sem eles, eu estou (no pouco que é possível estar com ilhéus) com os malteses. O mar e o céu continuarão pintados de azul. De um tipo de azul que, dizem, se parece ao azul, com que, lá no alto, pintaram o Paraíso. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Amor de Mediterrâneo I

Macacos a brincar com Mediterrâneo ao fundo - Gibraltar, Vitor Vicente, Março de 2012

Nós, os expatriados, os exilados por vontade e por conta própria; nós que, estejamos onde estejamos, nunca estaremos em território habitável para os homens e que erraremos entre as estrelas e a eternidade; nós, melhor do que nada e ninguém, por vivermos num país que não o nosso, sabemos que estamos aqui agora e amanhã podemos ir embora, que assim é a passagem pelo mundo e que a palavra vida mais não é do que as quatro letras miudinhas de um bilhete só de ida.
Nós temos vontades de aves raras. Queremos voltar a ver com olhos de viajante as pátrias onde, anos antes, erguemos tendas e - tal era o espírito de aventura - nos julgámos a salvo de ventos e tempestades. Com o tempo, que é como quem diz com a distância temporal e também física, percebemos que essas pátrias estão lá, que continuam lá, que ainda podem ser o templo de todos os sonhos para os que ainda se podem permitir a ser inocentes e verdes.  
Às vezes, lá no alto, em pleno voo ou entre um poiso e outro, cruzam-se aves. Trocam dois dedos de conversa sobre caminhos e contra-caminhos, sobre o quanto e onde já sentiram tão sozinhos. Depois, regra geral, cada um segue o seu e faz do céu um pouco mais seu. É o caso mais comum.
Outras vezes, dá-se o acontecimento absolsuto. As aves apaixonam-se. Abrigam-se e aninham-se como quem prolonga a infância, perservam o que dela se vinha perdendo, de tão pouco perdoada e até proibida pelo polícia do crescimento.
Um dia, as aves - que já só juntas dão o golpe de asa - resolvem rumar às pátrias a que pediram guarida emprestada. Quanto à pátria de partida - que descobriram ser pátria de comum - deixam para mais tarde. 
Daqui a nada estarão em Malta. Dias depois, sempre a beirar como quem beija o Mediterrâneo, estarão em Barcelona.

domingo, 2 de setembro de 2012

Diáspora de Dublin XIX


Representação do Poeta Yeats a falar ao povo irlandês, Vitor Vicente, Maio de 2011

Diz-se que os Domingos são iguais em toda e qualquer cidade. É verdade. São iguais - democratictamente iguais -  por que deixam cada  cidade afirmar a sua diferença.
Digo mais: aos Domingos não há cá deveres senão o descanso. E o descanso é o único período da vida em que podemos ditar e decidir o que fazer da nossa vida e quotidiano, a nosso belo e principesco prazer.
Tédio? Tédio, o tanas! O tédio permite-nos ser do nosso próprio tamanho. Talvez, ao princípio, possa parecer assustador.  Porque poder ser do nosso próprio tamanho é um privilégio, um acto de poder.
Sem que acarrete uma valente carga de trabalhos, voltemos atrás. Aos Domingos as grandes cidades são uma grande merda. Ou então não são grandes cidades. Ou estão condenadas a não conseguirem mostrar o quão grandes são nos dias seguintes.
O inverso passa-se connoco, meros cidadãos e meros constituintes da cadeia alimentar desse monstro chamado civilização. Nós não somos nós, ou, vá lá, pouco mais somos do que uma sombra de nós próprios, de Segunda a Sexta. Podíamos ser qualquer outro, em qualquer outra cidade. Estaremos sempre à mercê dos crocodilos citadinos, como quaisquer fantasmas de fato e gravata. Excepto, ao Domingo. O dia em que podemos preencher de nós próprios, sem ser mediados pelo mundo, onde quer que estejamos. O Domingo é o único dia em que aquele que somos impôe-se ao lugar onde estamos.
É quando nos sobrepômos à cidade. À sociedade insensível que nos espezinha a existência dia após dia e que, estúpida, obriga até a mais cintilante e solitária estrela a esperar pela noite para, por fim, poder brilhar.
Só para terminar. Este texto foi escrito na Diáspora de Dublin. Mas podia ter sido escrito debaixo de qualquer extensão da Diáspora. Desde que o Domingo fosse Domingo como quer o Calendário Cristão. Ou, pelo menos, estivesse eu num país como estou, um país em que ainda me é possível dizer a palavra Não.  
 

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