domingo, 24 de fevereiro de 2013

Bratislava e Budapeste III


Parlamento Húngaro e Danúbio - Budapeste, Vitor Vicente, Fevereiro de 2013

As maiores termas a céu aberto no seio de uma cidade, a maior sinagoga em solo europeu. Ambas em Peste. Ou do lado sul do Danúbio. Que divide em dois a grandiosa capital da Hungria.
Grande na arquitetura. Monumental. Tão monumental que nos faz verdadeiramente sentir que estamos estar a viver o mundo. Coisa que é característico do Velho Continente. O peso da história. O caruncho decadente que, de tão belo, até consegue ser charmoso.
Grande arquitetura. Não me canso de dizer, grande arquitetura. Imponente. Tão imponente que dá a ideia de que o Império ainda está de pé. Irónico. O que se encontra de faustoso em Viena sabe a pouco. O que se encontra de blocos soviéticos em Viena parece em demasia. Em Budapeste passa-se o inverso.
Budapeste vira-nos do avesso. As miúdas bonitas de Budapeste viram-nos do avesso. A cerveja de Budapeste vira-nos do avesso. Seja com as miúdas ou com as cervejas nativas, há sempre motivos para ter uma boa noite em Budapeste. Acresce ainda que a cerveja, além do corpo (que, à imagem e semelhança das miúdas, é estupendo) é bastante barata.  Mais de oitenta por cento das miúdas de Budapeste são um chamariz para a cama. Beba-se umas quantas canecas e some-se mais dez por cento. Os restantes dez são um ou outro aborto andante, avós que  (quem sabe?) um dia terão sido jeitosas e as trapaceiras de esquina para enganar brancóide em bares que a cerveja deixa de saber bem na hora da conta; para que conste aos incautos, é cobrada a preço de noite no Hilton Hotel.
Mas deixemo-nos disso. Temos os dias a nascer, frios e azuis, no Danúbio. Temos as águas tépidas das termas para tranquilizar a testostorona e outras ânsias animais. Temos Sopas de Goulash e outras iguarias húngaras. 
Goulash. Splash. Mais palavras para quê? O seu nome é Peste, Budapeste. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Bratislava e Budapeste II

Entrada do Castelo de Bratislava, Vitor Vicente, Fevereiro de 2013

Primeiro, à falta de bilheteiras, incluíndo a bilheteira humana que dá pelo nome de motorista, não pagaram para vir do aeroporto até à estação de comboios da cidade. Depois, já perdidos na paisagem a preto (da noite) e branco (da neve), pagaram os olhos da cara (digo, da cara de turista) para que o táxi os levasse da estação de comboios até ao hotel.
É esta a praxe dos Gringos de Inverno. Andar ao sabor dos ventos de Leste, sem que nada nem ninguém senão eles encontrem um sentido nisso.
Porque existem Gringos de Inverno e de Verão. Existem Gringos de todos os tipos, em todos os Trópicos quando uns estão no mundo dos outros. Existem, enfim, Gringos para todas as estações do ano.
Mas não me cabe aqui enumerar Gringos e Estações. Cabe-me, sim, concentrar na estação que, durante dois dias, deu guarida aos supraditos Gringos. 
Eis a estação: Bratislava.
Bratislava, a capital da Eslováquia, tantas vezes esquecida, tantas vezes confundida com a Eslovénia. Bratislava, a cidade catita que ninguém visita, por ter como vizinhas Viena e Praga.
Enquanto Viena e Praga ficam repletas de turistas, aqui os Gringos de Inverno habitam Bratislava. Onde são capazes de subir até ao Castelo e passear junto do Danúbio. Devidamente abastecidos a canecas de cerveja nativa e filetes de queijo.
Ainda que a arrastar-se, atabalhoados, também deambulam pelo city centre lá do sítio. E a neve sempre a descer do céu e a subir à altura dos joelhos dos Gringos. 
Bratislava não é para todos. Logo, não é para os tolos. É mais talhada para os bravos. Bravo, Bratislava! Bravo, Gringos de Inverno!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Variações sobre Velhas Viagens XV

Animação num restaurante mineiro - Ouro Preto, Vitor Vicente, Julho de 2009

Estive três vezes no Brasil. Contudo, nunca coincidi com a época do Carnaval. Nem sequer cheirei aquilo a que o saber comum chama de "Carnaval o ano todo." Ainda assim, sempre que chega o Carnaval, vejo-me a voltar ao Brasil. 
Porque há terras que deixamos para trás com despego, como se nunca lá estivéssemos estado. Em contrapartida, há países que nos são permanentes e nos deixam marcas tão perenes quanto uma peste. 
É aí que eu, ser mais dado aos subterrâneos do que às actividades sem sentido que decorrem à superfície e no seio da sociedade, é aí que eu queria chegar: ao Atlas das Almas.
Creio que o modo como encaro o Carnaval mede muito a leveza, ou falta dela, com que me tenho  relacionado com o mundo. Não fosse o mundo dos outros um medonho e - quando a mood está longe de ser a melhor - abominável baile de máscaras. 
Para começar, ainda criança, cresceu em mim uma revolta contra todos os actos calcinados pelo vale-tudo a que, em Portugal, se associa o Carnaval. Tal revolta, a par de outras, visava o que de carnavalesco se passava no bairro. Basicamente, os rapazes enchiam balões de água e arremessavam os ditos na direcção das raparigas. Assim sendo, havia que aceitar o facto de a minha irmã andar um mês inteiro a tremer de medo, ou mesmo a tremer de frio, caso estivesse ensopada, digo caso tivesse sido alvejada. Os mais maldosos - digo, os mais merdosos - também atiravam ovos. Depois, já no dia de Entrudo propriamente dito, a maior parte dos pais mascarava a maior parte dos meninos de alguma coisa. E era ver a alegria generalizada, menos em mim. 
Depois, digo uns bons anos depois, na adolescência, o fim de semana do Carnaval era dedicado a bailes com música brasileira, invariavelmente aos altos berros. Nestes eventos - eventos, escrevo eu, sem encontrar outra palavra que não enobreça estes estúpidos encontros de massas - davam-se os primeiros beijos e beliscavam-se as primeiras bundas. Os pais, rendidos ao argumentos irracionais do Carnaval, permitiam que os putos saíssem até mais tarde. Para a alegria regrada a cachaça da rapaziada. Alegria que também me era alheia. 
teenager, pré-universitário ou a dar os primeiros passos de um percurso fugaz na faculdade, o Carnaval passou a ser o segundo Halloween da comunidade gótica a que eu pertencia - no pouco a que me era permitido pertencer a grupos e tribos. Hoje em dia, já se celebra o Halloween em muita pista. Já não há razões para os góticos se gabarem de celebrarem o Halloween duas vezes. 
Seguiram-se anos de Carnavais brancos, de Carnavais incolores. Tanto nos anos antes de deixar Portugal, como nos primeiro anos que passei no outro lado da Península. Simplesmente, deixava desdenhosamente o calendário da civilização passar-me ao lado. A única coisa que me deixava lixado era, já em Barcelona, saber que em Portugal o dia de Entrudo era feriado. Mas isso depressa deitei por terra, a partir do dia em que comecei a trabalhar com turismo. Desde então que tenho um calendário à parte, às avessas dos ofícios dos carimbos.
Isso de ter trabalhado com turismo, junto com várias viagens pelo próprio pé, fez-me ver o Carnaval que nunca vi, que nunca sequer tentara ver. De olhos outrados, passei a conceber o Carnaval brasileiro como mais uma manifestação cultural e típica de uma certa etnia . Como uma daquelas coisas que nunca fez mal a ninguém ter visto uma vez na vida. Quem diz o Carnaval do Rio, diz atravessar o Canal do Panamá ou despender uma tarde num Barbecue na Austrália. 
Isso do turismo e, já na Irlanda, também o conseguir encontrar no sol o sinónimo de paz, de prazer, de preguiça. De prazer da paz, do prazer da preguiça. Tudo isso, mas também ter passado três boas temporadas no Brasil. 
Dito isto, penso que o Carnaval muda de data, mas não muda nada. A não ser nós mesmos que, mais ou menos místicos, mais ou menos viajados, tendemos a ser voláteis. O Carnaval, queira-se ou não, vai continuar lá, mesmo enquanto cambiarmos o nosso conhecimento sobre ele, que é como quem diz sobre nós mesmos. O Carnaval está lá, vai continuar lá, em datas desconhecidas, após  termos desaparecido do mapa. 
Até lá, sempre que chega a hora do Carnaval, eu vou voltar ao Brasil. Mesmo que, como nas anteriores vezes, eu volte ao Brasil sem coincidir com a época do Carnaval. 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Bratislava e Budapeste I

Compartimento privado do Tren Patagónico - Argentina, Vitor Vicente, Fevereiro de 2010

Desde que saí de Portugal, precisamente em vésperas de completar vinte e três anos e meio de idade, que não voltei a passar o meu aniversário no país a que vim ao mundo. Hoje em dia, tornou-se tão certo ver-me em mais uma cidade estrangeira, quanto espantosa foi a primeira vez que me vi fora da pátria-berço.
Que conste que a primeira das cidades foi o meu segundo berço. Ou a cidade do recomeço, de uma certa renascença. Barcelona. Onde assinalei vinte e quatro primaveras com um passeio solitário, junto à praia (já vos disse que adoro o mar no Inverno?), e um jantar, também a sós, num restaurante galego e situado em pleno city centre. Tudo isto num dia em que não trabalhei. O que por si só já diz que o passei bastante bem.
Outro recomeço deu-se um ano mais tarde. O dia em que fiz vinte e cinco anos em Praga foi o princípio de minha nova-velha alma. Eu, que pouco mais queria da capital da Checa do que seguir os passos quotidianos de Kafka, acabei por receber os apelos de partida para a Terra Prometida.
Volvido um ano, ainda com a Terra Prometida pendente, eis-me em Paris, empurrado pela namorada da época.  Paris, essa ex-Terra Prometida de ditos e apregoados artistas e que para mim pouco mais resultava do que um roteiro para um bom passeio. Ainda assim, gostei mais de Paris do gostara na primeira vez. Estava apaixonado. 
Desapaixonado estava quando, um ano depois, pulei dos vinte e cinco para os vinte e seis a bordo do Tren Patagónico.  Perdido, de cabeça e coração perdidos, enfim perdido de todo, num compartimento que era como uma cela, numa carruagem que se movia, noite adentro, entre as paisagens da Patagónia e das Pampas. Importa ainda acrescentar que o meu aniversário coincide com as celebrações de São Valentim.
São Valentim que tanto se celebra aqui em Dublin. Quase tanto como o St. Patrick. Não dessem estes santos aso ao que de muito pagão há na alma irlandesa e pusessem no caixote o pouco de católico que  gastam os poucos santos da casa. São Valentim, enfim, em Dublin, já serviu de cenário cardíaco para chegar aos vinte e sete e aos vinte e oito. 
Contudo, para cumprir a tradição de não configurar o quotidiano na cidade onde alicerço a casa, antes sim transformá-la em trampolim para o mundo, também este ano decidi ir vaguear no dia dos meus anos. Na verdade, de tanto é o tempo que passo fora, sempre que vou a Dublin, parece que estou a viajar. À imagem e semelhança do que me aconteceu ao fim de ano e meio em Barcelona.
Mas esses são outros andamentos. Desta feita, apontei para o Leste Europeu. A senhora que se segue é Bratislava. Na sequência, ainda na mesma viagem, Budapeste. Mas essa é outra contagem. 

P.S. Pensando bem, passar a dita data em Portugal também seria parte da contagem. Afinal de contas, devido à estranheza que se espera de um local estrangeiro, passei a contabilizar as idas ao país onde nasci à lista dos países que visitei. Mas essa, como disse, é outra contagem. 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Variações sobre Velhas Viagens XIV


Carruagem de teleférico pintada com as cores da bandeira do Brasil - Hong Kong
Vitor Vicente, Setembro de 2011

A um país pede-se que, pelo menos, se pareça a um país. Uma capital quer-se que, no mínimo, corporize o conceito de capital e que, no máximo, seja uma metrópole cosmopolita.
A Irlanda não está preocupada com isso. Na verdade, a Ilha Esmeralda não está preocupada com quase nada. Dublin cheira mais a campo do que a cidade. Ainda que esse seja - para quem o aprecia, claro - o seu encanto.
No entanto, não é este o encanto que é para aqui chamado a trazer caso. O encanto em causa é o de Dublin 4. Que é como se chama, à falta de código postal por estas bandas, a um conjunto de bairros que conseguem cheirar a cidade. Que conseguem até cheirar a cidades.
Que conseguem até cheirar a países deste continente e do outro. É sentir o cheiro que emana desta e daquela embaixada. Como uma constelação de chaminés. Eles são os Emirados Árabes Unidos, os Estados Unidos, a Ucrânia, o Quénia, a Turquia,o México, a Bélgica, a Holan...
A Holan...não. À Holanda só logrei chegar eu por esta enxorrada de embaixadas me transportar à primeira micro-cidade de embaixadas que conheci. Coisa que se deu, certo dia, quando uma tour ao sul do país das Tulipas me deixou deslumbrado com Den Haag. E me vi entre montes de mansões construídas à imagem e semelhança da casa típica das respectivas nações. 
Ontem voltei a Den Haag. Eu já sabia que Dublin se parece com a paisagem plana e pouco urbana de Amsterdam. Com a diferença de que Amsterdam cheira tanto a cidade como a campo. Eu já sabia que, ao voar daqui da ilha para a Europa, o impacto é idêntico ao de uma viagem inter-continental. Só desconhecia é que se podia ir a Den Haag sem sair de Dublin.
 

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