Esplanada em Eilat - Israel, Vitor Vicente, Maio de 2013
Termino de ler o nono tomo do diário de Miguel Torga. Penso em J. Rentes de Carvalho e Francisco José Viegas. Todos transmontanos. Todos detentores de um Português apurado, tradicional até.
Como não se vê nos jovens escritores, nem se consegue adivinhar nas gerações vindouras. Multidão apressada e anónima, onde só se vislumbram tipos de tigela e meia, atarracados e tíbios, sem fibra nem espinha. É vê-los com a pose cerimonial do padreco da aldeia, com o ar cabisbaixo de quem acabou de sair da clínica de desintoxicação, com pouco tento na língua a comentar assuntos sociais ou emperoados em eventos e redes sociais. Em suma, sociopatas de toda a espécie e em número suficiente para servir de objecto de estudo aos finalistas da licenciatura de Neurologia que não sabem que fazer com o canudo.
Sinto falta - eu, assinala-se, que nasci em 83 - de abrir um livro em Português e pensar que podia ter sido escrito pela mão de um almirante ou pelo punho assertoado de um diplomata. Por exemplo, por um José Cardoso Pires, possuidor de um Português perfeito, personagem que consigo ver numa doca, num porto, numa gare. Ou em Ramalho Ortigão, o maior génio da Geração de 70, que consigo imaginar numa mercearia em Londres ou a trocar as voltas (digo, a fazer troça) de uma dama da Toscânia.
Em contrapartida, chega-se ao Chiado e o mundo cheira a mofo. Cheira a gente que só navegou na naftalina. Que fala do deserto ou do sol da meia-noite como se fossem conceitos, coisas do lá longe. Até o infinito, de tão amorfo,o estrangulam como algo intelectualizado. O Chiado, enfim, está cheio de gente que acha estar num plano mais elevado,por discutir temas mais altos do que os penaltis que se discutem na taberna ali ao lado.
Dito e discutido isto, afasto os trapos do Chiado com as costas da mão e torno a Trás os Montes. Volto então onde só fui uma vez, numa excursão da escola e a Foz Côa. Uma das poucos viagens em grupo que fiz e em que me senti mais só do que as viagens em que só viajei.
Tudo isto acontece-me através dos diários de Torga. Em que cada palavra é tratada com o respeito de quem tudo respeita, inclusivé cada pedra que se colhe pelo caminho. Em que cada palavra é talhada como uma pedra em que se reconhece potencial. Em que cada palavra é polida. Em que cada palavra é preciosa.
Para essa precisão, é preciso limpeza, higiene e humildade. Tudo isso dá trabalho.
Volto então às paisagens de Portugal por onde pouco ou nenhum tempo estive. O regresso, à cautela, dá-se com a de-vida distância.
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