quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Variações sobre Velhas Viagens XIII

Eléctrico de Praga, Vitor Vicente, Maio de 2009

Há viagens que evocam velhos livros e livros que evocam velhas viagens. 
"A Viagem de Théo”, a avaliar pelo próprio título, parecer tratar-se do caso óbvio de livro que convoca as nossas velhas viagens. Óbvio, tão óbvio que pode levar a suspeitar aqueles que sabem que o verbo viajar, quando praticado no pretérito mais que imperfeito do papel, se pode conjugar num tempo que não encontra espaço nos países que, à falta de melhor termo, chamarei de países propriamente ditos.
Os céticos – que, entre a categoria dos dogmáticos, são os mais ferrenhos nas suas convicções - creem então tratar-se de mais um embuste de capa e lombada. Isto enquanto o romance de Cathérine Clement, sorrateiramente, se passeia neste mundo e não no outro.
Algumas das terras visitadas por Théo mexeram com mais algumas das minhas velhas viagens do que com outras. Como foi o caso de Israel e de Praga, cujas paisagens, vá lá explicar-se porquê, trago sempre presente. Pelo contrário, os episódios no Rio de Janeiro e em Atenas parecem-me passados em cidades que nunca pisei, que nem de relance conheci.
Mas fiquemos por aqui. Tal como o itinerário de Théo, também eu tive e vou tendo o meu, assim como também o leitor terá ou vai tendo o seu. Quem diz viagens, diz leituras.
As viagens e as leituras, tal como todas as coisas, são sempre as mesmas e prova disso é que todas se distinguem entre si e de si. Permitem-se a ser elas próprias e a converter-se no seu contrário. A possibilidade de serem a oposição da sua essência é a afirmação da sua unidade. Em última instância, é a afirmação do Ser, do sopro, do sentido. Daqui à existência de D-us dista um pequeno passo.
Mas fiquemos por aqui em matéria de Filosofia. Que cada um possa cambalear de acordo com o seu passo. Ciente que todos os caminhos vão dar a Théo.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Que Horas são em Haaretz? X



Memorial do Atentado à Associação Mutual Israelita-Argentina - Buenos Aires, 
Vitor Vicente, Janeiro de 2012


Assinala-se, hoje, o dia da memória do Holocausto.
Reza a História que alguns homens se lembraram de condenar outros homens a campos de concentração. Com o objetivo de os torturar ou executar, consoante a sua sorte. Até extinguir a dita espécie. Sem outra justificação senão o facto de não terem direito à existência enquanto Judeus. Sem outra pseudociência senão a convicção de que se encontravam a reparar a genética.
Houve loucos que acreditavam que em Auschwitz e afins se purificava a humanidade. Houve loucos que se entretinham a dissuadir as réstias de céticos, a fazer-lhes crer que esta era a única e a última salvação possível.
Era só preciso esquecer – ou, pelo menos, deixar de estranhar – que a salvação era sinónimo de selvajaria. Sujar as mãos de sangue e dar banhos de chuva ácida era prática tão quotidiana como cada um de nós varrer a poeira de sua casa.
Hoje em dia, questiona-se como alguns alemães conseguiram ser capazes de tais atrocidades, de cometer crimes ao nível dos monstros cinematográficos. Por outro lado, pergunta-se como algumas pessoas puderam permanecer cúmplices da crueldade, como tiveram estômago para ser espectadores tácitos de atos hediondos. Não há resposta para estas reações ou falta delas, para estas realidades para lá dos limites do razoável. Entre ombros encolhidos, ouvimos, em registo mecânico e de bom burocrata, que o (departamento de) pessoal só obedecia a ordens.
Ordens de dizimar os que eram diferentes. De discriminar os que eram distintos. Tamanho era o atentado à tolerância, ao respeito recíproco. Como quem diz: Ó tu aí que não sei quem és,  mas que sei que o és. Sim, tu, que tens todos os traços interditos. Todos os traços semitas. Peguei-te de ponta. Estás tramado. Mato-te, porco, mato-te e pronto.
Tão simples como isto. Terem na ponta da mira uma etnia. Como no tempo da caça às bruxas. Tempo que, pese o mal-estar presente, já vai longe das terras do Ocidente. Tempo que ainda é tempo vigente nessas tiranias de turbante e que os tidos por libertários, à falta de outro entretenimento, defendem para assim ofender o Ocidente. Eles, os autoproclamados libertários, que experimentem ir para o meio deles. Para melhor medirem – de preferência, à própria mão - o que dizem não ter mal, não ter absolutamente mal nenhum. Só não terão oportunidade de fazer viagem de volta, para contar a sua heroica história.
Mas a história aqui é outra. Para mal da memória do mundo, é uma história verídica. Tão verídica como haver quem a queira vender como mentira. Tendo em vista negar o Holocausto, com o propósito de perpetuar a permanente perseguição ao povo semita.
Atrás de um grande criminoso, há sempre uma grande falange de cúmplices. O coração de um facínora tem frio e arrefece se votado a estar sozinho. O coração de um facínora tem as costas quentes. Sempre.
Ou terá até ao dia em que a vida de mais ninguém possa ser vítima do que quer que seja, pelo simples facto de uma pessoa poder exercer a sua essência e reger-se por um código de ética em consonância.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Com a de-vida distância IX

Merrion Street Upper - Taoiseach House, Vitor Vicente, Janeiro de 2013

De longe, literal e geograficamente de longe, prefiro receber os meus em Dublin do que encontrar os meus em Portugal. Quando digo os meus, digo os meus pais. Quando digo os meus pais, digo o meu país.
Ou, se preferirem, o meu país na pessoa dos meus pais. Com ou sem sentido figurado, ao fim de contas, tanto me faz. Desde que estejamos todos, juntos, num lugar que se possa designar como um lugar longe. Dublin, como foi o caso.
Ou, para personalizar ainda mais, na minha Dublin. Na Dublin de que é feito o meu dia à dia. Ou no que dos meus dias é feito mais em Dublin do que de Dublin.
Excepção feita a estes dias. Em que, ao acompanhar os meus pais, ao me tornar pai dos meus próprios pais, me tornei também guia turístico de tudo e todos. Até de mim próprio, que, de olhar outrado, me perguntava como a preguiça me fecha cá por casa. 
É certo que lhes dei a conhecer a minha casa. Assim como o meu bairro e o caminho pelo meu bairro que faço, todos dias, até minha casa. Não fossem o bairro e o caminho do quotidiano parte da própria casa. 
Canal acima, canal abaixo, debaixo de chuva curta ou de um sol entre o celta e o tímido, lá fomos até às margens do Liffey. Às compras, às cervejas, aos cafés que, aos olhos e às narinas dos portugueses, são chamados de cafés com cheirinho. Para dar um toque  turístico, marquei o jantar de Sábado no Johnnie Fox, restaurante a pouco mais de meia hora do centro da cidade mas que parece distar mil e uma milhas da capital da Irlanda - até porque os transportes, tirando os táxis, são falhos, e aqui em  Dublin depressa se assimila a tabuada do tempo: As distâncias não se medem em metros, mas em minutos
Ainda sem sair das distâncias, abandonando por meros momentos a matemática dos minutos, termino a dizer que, durante estes dias, voltei a Portugal. Devidamente protegido pelos meus pais, à semelhança da infância. Digo, com a de-vida distância. 
 

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