domingo, 30 de junho de 2013

Diáspora de XXVIII


Temple Bar - Dublin, Vitor Vicente, Outubro de 2010

A língua faz os modos como vemos o mundo e como o mundo nos vê. Até para quem tende a andar calado ou a fazer beicinho, a língua define-nos a configuração da cara. A nossa expressão, ou a sua ausência, é o nosso eu exterior.
É um espetáculo. Os expatriados, a falar com a língua, com as mãos, com o corpo todo, são um espetáculo. O meu espetáculo de eleição - digo eu daqui da plateia, meu lugar preferencial - é ver como as suas origens vêm ao de cima, como que saltam à flor da pele, como que sobem à superfície, depois de os desgraçados linguarajar num idioma e respetivos gestos que não lhes são obviamente próprios. 
Dois expatriados, caso estejam num país de língua Inglesa ou em viagem por uma terra que não é a de nenhum deles, instintivamente, como animais que se encontram subitamente na selva, são forçados a comunicar em Easy English. Que, traduzindo para miúdos, é uma espécie de sub-idioma que se cola facilmente aos lábios e é composto por palavras e intenções ao alcance dos símios. Não há aqui lugar à poesia, a não ser à poesia que está sempre presente quando duas criaturas distintas logram entender-se.
Passe-se da poesia para a paixão. Há casais de latinos que logram - preparem-se para passar para o plano do pasmo e da imaginação -  apaixonar-se. Daqui da plateia, volto a dizer: é um espetáculo vê-los a dizer uma coisa com a boca e dizer outra com as mãos, com o corpo todo. Coisa tão hilariante como ainda haver metade da humanidade com paciência para aturar a outra metade da humanidade. 
Depois há ainda os que acham chic expressar-se em Easy English - digo falar, pois não é propriedade destas gentes o poder de se expressar, por mais que alguns deles tenham gosto em emitir opiniões sobre assuntos sociais ou em elogiar as vantagens de praticar Yoga. Os Portugueses, digo eu ainda da plateia por ter o privilégio de designar os Portugueses por Portugueses, acham-se especiais por serem menos obviamente Portugueses a falar Easy English do que a vizinhança do Sul do continente. Mal sabem eles que, por votarem a letra h ao mutismo e não terem um tom de voz de quem fala ao altifalante como os nuestros amigos da Andaluzia, os Portugueses parecem-se aos Polacos - inclusivé a canalha de Polacos, pseudo-arraçados, que tanto gostam de se fazer passar por Alemães. Enfim, como os Espanhóis dizem o H de maneira gritante e o tuguinha não, o tuguinha nada disso, vale-lhes a velha máxima que mais vale não fazer do que fazer mal. 
Eu, que já adotei a plateia como habitat natural, é que já não digo nada e deixo toda a gente dizer, desdizer ou deixar de dizer. Não me cabe a mim ser o corretor das gramáticas das gentes, nem pôr tento na ponta da língua a quem ganhar o juízo é uma tarefa que, em nome das audiências, se vai agendando para mais tarde. 
Façam mas é o favor de continuar o espetáculo. Quem está na plateia não quer que chamem a si mais atenções. 

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