segunda-feira, 1 de julho de 2013

Diáspora de Dublin XXIX

Autocarro de uma excursão pelo County Clare, Vitor Vicente, Março de 2011

Tenho então um quotidiano andante. O poder nas pernas, nos pés. O privilégio de não depender dos transportes, nem de estar refém do estado das estradas ou das vicissitudes dos veículos desta vida para poder fazer da minha vida ainda mais a minha vida. 
Pois pertenço a uma multidão de andarilhos anónimos  que não se conhecem, que nunca foram, nem almejam- de tão assustadiços e ensimesmados - vir a ser apresentados. Que, à semelhança dos caprichos dos génios, querem ser singulares e não aceitam ajuntamentos, nem constituir parte de grupos.
Posso cruzar-me com os mesmos caminhantes todos os dias, à mesma hora, sempre no mesmo semáforo, mas nenhum de nós vai se lembrar do outro no dia seguinte. É um pacto perfeito, sem que nada, nem ninguém tenha de mover uma palha por isso. 
Já dos passageiros que, todos os dias e antigamente, apanhavam o mesmo autocarro que eu, desses lembro-me muito bem. Como se, todos os dias do tempo que atiro para longe ao chamar de antigamente, tivesse sido ontem.
Lembro-me que alguns deles já diziam olá entre eles e entre dentes e que outros, embaraçados, viravam os focinhos para o lado ou atiravam-nos para o chão. Lembro-me - seria impossível não me lembrar - de um maluco que, como todos os malucos em qualquer parte do mundo, ia sempre sentado no banco de trás (no caso Irlandês, do andar de cima do autocarro) e que levava sempre sacos de plásticos. Além de se sentar sempre no banco de trás e de trazer sempre sacos de plástico, este maluco também falava sozinho e dizia sempre as mesmas coisas e sempre quando passávamos junto às mesmas paragens. A saber, "For Fuck´s  Sake. For Fuck´s Sake. She doesn`t care. No, she doesn`t care. She`s a fucking bitch!". 
Era claro que nem eu, nem nenhum dos passageiros frequentes deste autocarro, se sentava perto dele. Era tão claro como perceber que quem se sentava perto dele não nos acompanhava no autocarro, diariamente, desde a sombria Segunda até à ansiada Sexta.
À Sexta, tínhamos todos o semblante aberto e o ambiente era tão descontraído que mais parecia um autocarro para a praia. Como se Sexta fosse sinónimo de férias. Até era: férias de dois dias. Mais dias houvera e andar nesse autocarro seria uma verdadeira viagem. Assim não sendo, esta crónica está votada a não pertencer às Variações sobre Velhas Viagens. Antes a dar o corpo à andante Diáspora de Dublin

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