sábado, 28 de julho de 2012

Diáspora de Dublin XV

Uma charrete no meu bairro - Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2012

Maneiras conformados com a morte, agarramo-nos ao poder da memória.  Por outras palavras, esforçamo-nos - ainda que padecidos de preguicite crónica, esforçamo-nos - por existir contra o esquecimento. E tudo o que resvale no esquecimento e não erija nenhuma torre etérea, tudo isso, esmorece-nos o espírito e embala-nos até ao bocejo.
É o caso das viagens do dia-a-dia, a caminho do ou vindos - chamemos-lhe assim, tal é a pouca poesia  - do  trabalho. Se pensarmos bem, ou se ainda nos for permitido pensar bem, perceberemos que a presença do trabalho é contra-natura no quotidiano daquele que viaja.
Dessas viagens não trazemos mais que recordações de realidades vagas, infinitos imprecisos e intermitentes, em suma impressões embaçadas de quem vislumbra o que não lhe é dado a ver e, ainda assim, vê sem pouco ou nada fazer por issso. Dessas viagens trazemos o desconsolo de não termos ido mais além, quando às viagens devemos o termo ido longe, assim como as lembranças que, a posteriori, se revelarão as mais longas. Mais longas e mais verdadeiras, tal era o vigor, a entrega, a estrela que brilhava dentro de nós.
Não consigo descortinar se essas viagens se fazem demasiado depressa ou demasiado devagar para que possam reter a requintada vigília do viajante. Digo sim, e com a segurança de quem tem a certeza, que são viagens que fazemos dormidos, com a alma na almofada e o corpo coberto por uma couraça.
Digo ainda que essas viagens podem ser feitas em Dublin ou noutra cidade - de preferência, capital - qualquer. Da igual, rematariam, como quem cospe, os espanhóis. É indiferente, concluíram, de ombros caídos, os portugueses. A mim tanto se me dá, pois de tão cansado nada tenho a dar a ninguém.

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