Silesian Shopping Centre - Katowice, Vitor Vicente, Junho de 2014
Despeço-me de Dublin. Num Domingo à noite e em diferido. Do alto de um décimo andar e diante de um centro comercial que tem tanto de capitalista como de soviético. Em poucas palavras, despeço-me de Dublin em Katowice. Porque nunca nos é permitido despedir enquanto não chegarmos ao próximo destino.
Digo nós, os desterrados. Movidos pela Diáspora. Que em nada se desfaz e em tudo se dispersa. A direção é a de sempre. Ano que vem, em...Complete em silêncio a prece, quem tenha como marca-passo a Terra Prometida.
Quem são eles? São os que sabem que existe o sopro sagrado e um demónio disfarçado de vento - demónio que tende em ser adorado pelos pretensos artistas e errantes das emoções faz-de-conta e à flor da pele para inglês e outros povos facilmente embriagados verem.
Eles, eles são os mesmos que não precisarão de explicação de maior para a leveza que me habitou, desde o dia em que disse a mais pessoas do que a mim mesmo de que iria deixar Dublin. (Eu fui o segundo a saber, depois de D-us). Então toda a cidade transformou-se numa colónia de férias e a pouca seriedade que me assiste deu lugar a um avassalador sarcasmo.
Lembro-me que, tomado por esta leveza, percebi que só sei ser assustadoramente sério ou cultivar um sarcasmo ácido. Concluí que tem isso tem condicionado a minha relação com os outros. Coisa atroz.
Constação não tão atroz, mas que antes muito me apraz: o irrevogável rebelde que há em mim. Que não se pode estrangular com gravatas ou guilhotinas em jeito de gentilezas a que o convívio com as gentes, de quando em vez, obriga. Que não se deixa polir nas palavras, nem que ponham tento nem termo na língua, por mais que brilhem os sapatos ou sorria com todos os brancos dentes que tem na boca. Que jamais terá como missão mudar este mundo mesquinho, por mais que dele cultive desdenhosa distância. Um rebelde sem causa e sem outras calças que não as compradas no Outlet de New York - e que faz questão de dizer Outlet e New York para confundir os curtos de cérebro e os canhotos crónicos e, aos olhos destes, parecer não ter nem calças, nem camisola onde exibir o emblema, para os fazer ver estrelas de David.
Estou a ser duro? É a minha profissão: duro. O que, senão me falha a memória, foi o nome dado a um filme. Que, assim dito, até parece nome de película pornográfica.
Chega de socos e de cinismo. Chega de querer fazer passar a ideia de que não sinto falta dos amigos que deixei em Dublin, tanto neste Domingo à noite, como em todas as noites e dias vindouros.
Despido de amigos e de calças, despeço-me também de Dublin e deste blog. Em nome da Diáspora vos digo: até qualquer dia.