terça-feira, 25 de junho de 2013

Diáspora de Dublin XXVI

Caminho pedonal paralelo ao canal do Portobello, Vitor Vicente, Junho de 2013

Todos os dias ando durante um hora. Meia hora a patear até ao escritório, meia hora a caminhar para casa. Não me canso com isso. Pelo contrário, estou extremamente contente e, não fossem as poucas vezes que chove copiosamente (por estas bandas, em oposição ao que pensam os portugueses, caem frequentemente alguns aguaceiros que quase nunca são dignos de serem chamados de chuva), a juntar ao exercício diário de andarilho, poderia agradecer diariamente a D-us pela oportunidade de cumprir tal caminhada.
Os invejosos, que são praticamente os mesmos que os portugueses que se rejubilam por saber que por cá está a chover, os invejosos acham que estou a ser irónico, que "lá está ele a desconversar, a não falar a sério." Afirmam, do alto da sua solarenga arrogância, que aqui o desgraçado não tem é dinheiro para "pagar o passe" que "lá na Irlanda o transporte é caro, tudo é caríssimo naquela cidade". (Alguns, mais audazes nos dizeres, ainda acrescentam que "Dublin deve ser como Londres. Paga-se cinco libras para percorrer meia dúzia de estações de metro".)
Sem nenhum ressentimento, sem necessidade de me render, reconheço parcial razão aos invejosos. Lá do alto da sua solarenga e cegueta arrogância, eles adivinharam: os transportes são mesmo caros em Dublin. Que tudo seja caro, já é um exagero de quem nunca deu voltas ao mundo senão sentado no sofá enquanto via os périplos dos brancóides no Travel Channel. O que por aqui há é muita coisa que fica aquém do preço que custa.
O que também me custa é que uma pretensa capital como esta tenha transportes terceiro-mundistas. Como se podem construir duas linhas de metro de superfície (subterrâneo, como há em Londres e no Continente, aqui não há)  sem uma paragem comum e assim se obrigue o pobre do passageiro a fazer a conexão pelo próprio pé? Interfaces na Irlanda são inexistentes. De terceiro mundo - ou  devo dizer saídos doutro mundo? - são também a maioria dos médicos. Pobres diabos que, face à displicência dos dubliners com a sua própria saúde, não dedicassem boa parte do seu expediente a serem verdadeiros vendedores de baixas, há muito que teriam ido à falência. (Acreditem: os médicos cobram por consulta, com ou sem baixa por  baixo da mesa, qualquer coisa como cinquenta e tal euros!)
Antes que fiquemos doentes e não tenhamos quem nos acude, deixemos os médicos. Voltemos a apanhar o tema dos tranportes. No caso, podemos apanhar o autocarro e ir até onde aqui o desgraçado trabalha. Só temos que andar dez minutos, esperar um tempo indeterminado pelo dito, desesperar durante, no mínimo, outros quinze para que consigamos atravessar o centro da cidade (quase todos os autocarros vão pelo centro e ficar atascado é aceitável, tão aceitável como haver uma paragem de cem em cem metros,  uma das quais serve de cenário para se aguardar passivamente que um motorista venha substituir o outro) e finalmente chegar à nossa paragem e daí andar os derradeiros dez minutos até ao escritório. Tudo isto somado dá muitas dores de cabeça, de costas e de coluna e de sei lá mais o quê - dá certamente mais da meia-hora que, a penantes, se tarda da porta de casa até à secretária onde um tipo se senta durante sete horas.
Por isso, abençoo e digo: bem-ditos pés, bem-dita terra. Que me permite ir a pé, lado a lado com outras pessoas que não dependem de nada, nem de ninguém, senão dos próprios pés. Pessoas que se podem sentir senhoras do seu nariz. Que podem trabalhar por conta de outrém, ter um horário a honrar. Que podem não ter o o mundo a seus pés. Mas têm a cidade nos seus pés. Uma cidade que se torna sua, só por ter o poder nos seus pés. 

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