domingo, 7 de abril de 2013

Barcelona: Segundo Berço


Plaza Reial - Barcelona, Vitor Vicente, Setembro de 2013

Vemos as cidades com outros olhos depois de as ter lido nos livros. Também as lemos com outros olhos depois de as termos visitado em viagem. Nós, que conseguimos confrontar os nossos olhos originais com os olhos que a vida nos colocou à frente da cara, nós outramo-nos e assim metamorfoseamos o mundo, fazemos do mundo muitos e múltiplos mundos.
Mais curioso ainda é ler livros passados em cidades onde vivemos e não nascemos. Ainda mais curioso é ler livros passados nessas cidades que foram escritos por pessoas que, à nossa imagem e semelhança, também não nasceram mas viveram lá. 
É o caso de todo e qualquer livro de Roberto Bolaño, quando a acção se passa em Barcelona. Se que o cenário é a Catalunya, então  é sinónimo do meu interesse pelo livro do chileno. Ainda acresce que Bolaño vagabundeou muito mundo até assentar arraiais em Blanes, na Costa Brava. E isso sente-se imenso no desenraizamento de suas personagens. Todas elas tendem a ser uma espécie de toda-a-terra, que podiam estar aqui onde não estão, como ali onde estarão até D-us sabe quando. E que, ao fim de contas, estejam nesta ou naquela parte do mundo, estarão sempre, meio aluadas, no mundo delas. Porque o mundo continua a ser o mesmo mundo por mais que nos movemos. Só às cidades é que foi dado o dom de se renovar sem sair do mesmo sítio. 
Estou ciente de que a minha Catalunya caducou - até porque nunca coube nos limites dos mapas, nem constou dos atlas oficiais. A Barcelona dos meus vinte e poucos loucos anos, esse palco onde tudo era improvável e tudo era possível, tudo isso terminou. Alguns amigos, tal como eu, mudaram de ares. Outros casaram ou ensimesmeram-se atrás das telas. A minha inocência deu lugar a algum conhecimento de causa que me tornou cauto em circunstâncias que, noutros tempos, me punha a menos de um pé do precípicio.
Não há lugar a regressos porque a realidade que vivi já não se encontra no mesmo lugar. Essa realidade erradicou-se e entricheirou-se na galeria das memórias. Restam-me os romances de Bolaño, ou de Enrique Vila-Matas que, ainda que catalão, por ter viajado bastante, consegue falar da sua cidade com a experiência de um estranho, senão mesmo de um estrangeiro.
"A Pista de Gelo", assim se chama a novela de Bolaño que tenho na mesa da cabeceira, leva-me a voltar a derrapar nas ruas de Barcelona. Mas já não a derrapar, aos tombos e com fome, enquanto me nutria através dos olhos com o vai e vem da Rambla. 
Cabe aos livros recuperar o conforto a que só se chega (ou que só aconchega) quando uma pessoa se sente em casa. Eu, exilado, sempre disse que a minha casa teria de ser feita de paredes de papel, que todos os outros tipos de parede me dariam a claustrofobia de uma cela. Que me fariam pensar num novo plano de fuga. 

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