sábado, 29 de outubro de 2011

Diáspora de Dublin IV


Irlanda - A bordo da linha férrea Dublin-Sligo, Vitor Vicente, Agosto de 2010

Durante algum tempo, tive o hábito de atribuir uma côr a cada cidade que visitava. Associei o azul a Estocolmo, o laranja a Madrid, o verde a Dublin. Depois, cansei-me. Cansei-me de ter pouca paleta para tantos países, de não ter côres que chegassem para o tamanho do mundo.
Em Dublin, vista agora da perspectiva de residente, continua a reinar, soberano e absoluto, o verde. Por mais que, em Portugal, algumas pessoas tendem a lamentar-me que Dublin é uma cidade cinzenta. Alguns nem conhecem Dublin. Conhecem, se tanto e de um fim de semana, Londres. E por terem visto Londres, ao vivo ou num filme, acham que já conhecem todo o Reino Unido e que a Irlanda é ainda parte do Reino Unido.
Outro preconceito popular, este não só entre portugueses mas entre os latinos em geral, é que a côr do frio é o cinzento. Como se a neve fosse branca escura. Aqui em Dublin quase nem neva. Esta cidade nem se demarca das demais por ser fria. Isso é lá para os lados do Leste, caros latinos, não aqui no Norte. E mais, amigos latinos, os povos louros do Leste não são todos iguais aos povos louros do Norte da Europa. Ou também consideram certo que, abaixo da França, sejamos todos tidos por espanhóis ou italianos e que no Médio Oriente só há árabes e Mesquitas?
Dublin, caros latinos, é chuvosa. Quando chove, em temporada de Inverno, as temperaturas tendem a subir. Não é que se tratem de chuvas tropicais. Aqui podem cair todo o tipo de chuvas, a qualquer altura do ano. Até em pleno Verão, quando a cidade é iluminada durante quase todo o dia, quando o céu oferece um lento lusco-fusco, um crepúsculo capaz de parar o trânsito no dia em que todos os que estiverem ao volante forem poetas, ou, pelo menos, sensíveis à beleza do Poente.
Para isso a Poesia teria que abrir telejornais. A maior precipitação, mundial por sinal, é continuar a crer-se que a côr do frio é o cinzento. Como se não houvesse frio de céu claro e aberto, frio azul. Ou o frio verde e celta da Irlanda. Ou o frio azul-esverdeado que se sente à beira de todos os mares do mundo.

Variações sobre Velhas Viagens III

Hong Kong - Mar da China, Vitor Vicente, Setembro de 2011

Mas o Mar da China não conseguiu de todo fazer-me sentir em casa. Ao olhá-lo nos olhos, não aparenta ter nada de diferente dos demais mares. Nenhum traço oriental flagrante. Não emite sons que nos pareçam ditongos, não é amarelado, não é em bico.
O Oceano Pacífico também não me fez sentir em casa. Pelo contrário, certificou-me de que me encontrava longe. Fez-me pensar que mercadorias transportariam os navios que atracavam em Vladivostok. Imaginava se podia ser contrabordo, se o faziam às claras ou na calada da noite. À noite, através da janela do quarto de hotel, punha-me a contar navios como quem conta carneiros. Como quem não tem outra alternativa para conseguir adormecer, para levar de vencidos o fuso horário e a insónia.
Eis a prova viva, que deita por terra toda a objecção em como este argumento é mentira, de que o mar nunca é o mesmo. Já das pessoas, por mais que possam parecer diferentes, por mais que se esforcem em reivindincar identidades e forjar trejeitos típicos, não se pode dizer o mesmo. Mais depressa se encontram ecos de Europa e de Nova Iorque em Hong Kong, do que um búzio oriundo do Mar da China dá à costa de Casablanca.

Variações sobre Velhas Viagens II


Docas de Copenhaga, Vitor Vicente, Junho de 2011

A fotografia, como se pode ler na legenda, foi tirada em Copenhaga. A "foto de autor", à direita, também. Apesar de Copenhaga não estar propriamente no coração do Continente - a capital da Dinamarca é a ponte entra a Europa e a Escandinávia - esta fotografia é eminentemente europeia. Europeíssima.
Considero-me europeu pelo simples motivo de me sentir em casa em qualquer parte do continente. Podia até exagerar, apresentar-me como nascido na Europa, na província europeia de Portugal. Mas não. Ninguém nasce europeu. Torna-se europeu. Eu rima com europeu. Eu rima com outra coisa que não vem para o presente caso.
Ou então não sou europeu, mas sim atlântico-mediterrânico. À beira destas águas, sinto sempre que o cenário é familiar como o de  casa. Seja o Atlântico que banha o Brasil (onde, pela primeira vez, percebi que existia o estatuto de europeu), seja o Mediterrânico que se estende das praias até às efervescentes esplanadas de Tel Aviv. Sou até mais do mar do que da terra. Jamais enjoei embarcado e já passei mal no convívio terreno com a espécie.
Posso agora dizer que, em vez de europeu, sou atlântico-mediterrânico. E reconhecer que Paul Theroux tinha razão quando, certo dia, chamou a atenção dos literatos: The misperception is that the travel book is about a country. It`s really about the person who`s travelling.

Diáspora de Dublin III


Praça do Palácio Real - Copenhaga, Vitor Vicente, Junho de 2011

E o novo presidente da Irlanda é um poeta. Michael Higgins, de seu nome.
Nome que, diga-se, assenta melhor a uma das porfiadas cadeiras do poder do que à escreveninha esquizofrénica onde se redigem versos. Não digo isto por qualquer suspeita sobre este senhor. Se esta eleição fosse em Portugal, decerto que teria suspeitas. Como, algunos anos atrás, questionei as reais pretensões de Manuel Alegre. Mas não estou aqui para entrar em polémicas com ninguém. Longe de mim citar qualquer nome da Praça Pública e tratar os bois pelo nome próprio. Ainda que isso aumentasse o número de visitas do Blog. Tenho mais que fazer.
Tenho que dizer - é uma necessidade, e é sempre a necessidade que me obriga a escrever - que o meu olhar está nublado por uma certa inocência, uma lúcida ingenuidade sobre os irlandeses mediáticos e do mundo em geral. Com os de Portugal, por lá ter crescido, nem pensar. Para os de cá fora - adoro dizer, cá fora e não lá fora -  sai de mim um perdão instintivo e irreflectido, um deixa-passar de quem se acha distante, um deixa-passar de que não é nada comigo. Apenas aprovo, sem análise de espécie alguma e com toda a tolerância deste mundo e do outro.
Afinal, seja em que país for, tanto me faz a figura do presidente. O papel do presidente não é nada mais do que isso: representar um papel no regime corrupto até à medula que é a República. Para exercer tal cargo, sem olhar a interesses de terceiros, nem a meios para proteger partidos e parceiros, já temos o Rei. Sempre será mais sábio que alguém que confuda o Thomas Moore com o Thomas Mann. Ou que tenha uma Obra poética digna de arrebatar prémios de Jogos Florais. Mas eu, como disse, não quero cá entrar em polémicas com ninguém. Chega. Como disse, apenas aprovo, sem análise de espécie alguma e com toda a tolerância deste mundo e do outro.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Viagística V

Amanhecer em Drumnaochit - Escócia, Vitor Vicente, Dezembro de 2009

O verdadeiro viajante jamais será derrotado pelo desgaste. Ainda que conheça um crescente conforto em estar em casa e, às vezes, sinta que alguns lugares longíquos já não o consigam deslumbrar como antes, ainda assim, só lhe aumentará a vontade de viajar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Viagística IV

Dublin  - Rathmines, Vitor Vicente, Julho de 2010

Caminhar pelo Bairro a horas nunca antes caminhadas. Descobrir bairros dentro do Bairro. Desbravar o desconhecido à beira de casa. Viajar.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

E por que não Poesia? II


Poema:  Charles Baudelaire
Vídeo: David Gautier

Que horas são em Haaretz? I

Tel Aviv - The Diaspora Museum , Vitor Vicente, Setembro de 2010

Praga, o virar de página. Deu-se, certo dia, no Bairro Judeu. A minha peregrinação nunca mais foi a mesma. Sem uma segunda intenção senão a de seguir os passos de Kafka, vi-me a viver ali, uns bons séculos atrás, a tratar tu por tu o quotidiano e a vizinhança.
Voltei a Praga, um par de anos depois, para responder ao pedido da minha então namorada. Nunca lhe contei do virar de página em Praga. Durante muito tempo, não contei de nada a ninguém. Guardei segredo. Guardei no mais recôndito canto do gueto.
Aprendi a deixar pendente, a conter os cavalos ao chegar às cidades. Já não me atiro como antes, nem me apronto a ripostar a quem me provocar com a primeira pedra. Amadureci.

P.S. Este é um apontamento sobre Haaretz. A foto, tirada em Tel Aviv, atesta-o.

Ir à Índia I


Falta mais ou menos um mês para ir à Índia. Irei com dois amigos. Estranho. É a primeira vez que viajo com mais de uma pessoa. Na verdade, já viajei  com os meus pais. Mas não conta para a estatísica, nem para esbater esta estranha forma de viagem. Considero os meus pais uma só pessoa. Mais, considero os meus pais o meu país. Operação tão simples como trocar os pontos aos is.
A Índia é o país exótico por excelência. Comparamos à Índia tudo o que seja misterioso, místico, tudo o que tenha traga como uma aura ou que se cubra com uma leve névoa. Como se na Índia todas as ilusões fossem possíveis pelo simples motivo de sucederem na Índia.
Simples, sim. Certamente mais simples que as nossas Índias interiores. Índias isoladas como uma ilha. Índias insondáveis, intransmíssiveis.

Viagística III


Guangzhou, ex Cantão, China - Times Square, Vitor Vicente, Setembro de 2011

Americans are never abroad. All is America.

(P.S. Este apontamento não tem tradução para Português, nem para Inglês que não o Inglês Americano. Muito menos é inteligível aos mentecaptos, aos anti-americanos primários e afins).

E por que não Poesia? I



Poema: C. B. Kavafy
Música: Vangelis
Leitura: Sean Connery

Com a de-vida distância I


Dublin - Rathmines, Vitor Vicente, Julho de 2010

Alguns amigos, os verdadeiros e afirmativos, aqueles a quem o ciúme pela alegria alheia jamais vem ao de cima, costumam comentar comigo no quanto fiz bem em "ter cavado deste buraco". Eu concordo - claro. A única maneira de sair de um buraco é cavar o próprio buraco. E abrir buracos dentro do próprio buraco. Até criar um complexo e sofisticado sistema de transporte inter-buracos.
Através desse meu buraco, vou vendo o que se passa em Portugal, no mundo - por aí fora. Sem fios, sem cabos (eu disse que o meu buraco era sofisticado), sobretudo pelo Facebook, tento perceber como é o Portugal de agora. Por vezes, parece-me que ainda foi ontem que me fui embora. Outras vezes, parece-me que foi há bastante tempo, que devo estar enganado e que nunca vivi senão aqui.
Pasmo-me em como poderia participar, hoje, dessa paisagem. Até que ponto poderia fundir-me ou destoar dela. Penso, penso demais. Divago, como quem viaja sem rota, nem aurora. Nada concluo, a não ser que tudo seria diferente, que eu não seria quem sou agora, que eu não veria as paisagens com os olhos de quem foi embora.
Por ora, sei que escondo-me, logo existo. Eis o silogismo do exilado. Não assisto a nada à distância de Dublin. Vejo tudo com a de-vida distância.

Variações sobre Velhas Viagens I


Vladivostok - Fim de Tarde, Vitor Vicente, Setembro de 2009

Assim que marco uma viagem, assim que, ansioso, começo a contar os dias no calendário, tenho também por hábito (sou homem de hábitos, de rotinas e rituais, mas essa é outra história..) consultar as previsões metereológicas para o dito destino. Mesmo que as previsões não alcancem mais do que os próximos dez dias e a data de aterragem esteja para além desse período.
Outro tique diletante - ou, se quiserem, outro anti-tédio - consiste em, nas mesmas páginas web, consultar previsões metereológicas para as cidades que, certo dia, visitei. É a minha maneira de poder voltar a vê-las. Tromso, Vladivostok, San Carlos de Bariloche são as mais recorrentes no meu itinerário de viagens a bordo das nuvens, às arrecuas.
O clima é o mais abstracto de uma cidade. Contudo, é a coisa mais concreta. É uma realidade inalienável, porém contornável. Poder-se ia dizer que existe como existe D*us - que o clima chega às cidades como um enviado de D*us.
Só conhece o clima aquele que pelo clima se fascina.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Diáspora de Dublin II



Belfast - Bairro Católico, Vitor Vicente, Outubro de 2011

Nada melhor do que atravessar a fronteira (outrora, fronteira de fogo) entre a Irlanda e Irlanda do Norte para pôr à prova o quão vão pode ser viajar para ver que tal se vive do lado de lá.
Um dos principais problemas da Irlanda, segundo os queixumes mais quotidianos, é ser uma ilha. Mas antes de virem para cá, pergunto-me, não sabiam? Não pensaram bem nisso antes de aqui assentarem arraiais? Não se deram nem ao trabalho de abrir um Atlas e tirar metade da tarde para estudar um pouco de Geografia? Numa ilha, o isolamento é encanto e magia - é auto-recriação, vertiginosa e contínua. Boring?, só para quem não sabe o que é ser (nascer) animal de arquipélago, animal em vias de extinção desde que a espécie descobriu formar uma sociedade e obrigar-nos a ganhar a vida como um bicho gregário.
Como se não bastasse o facto da Irlanda ser uma ilha - e, assim sendo, não se poder pegar no carro (há pessoas para quem as possibilidades de viajar se resumem a estar ao volante) e ir para o próximo país -, como se não bastasse isso da condição de ilhéu, e ainda acresce que é logo uma ilha e homogénea. A paisagem de qualquer cidade irlandesa é invariavelmente de povoada de paddys, pubs & pints. E o verde, sempre o verde. Na capital ou no country side, tanto faz.
Belfast, lá no Norte, não destoa, não é tão diferente. O centro, é certo, não envergonha qualquer cidade europeia. Só que, mal se dá dois passos, logo ao virar da esquina, começa o festival de fábricas e de armazéns que normalmente se encontra nos arredores. Entre os bairros católico e protestante, mantém-se o muro, agora aberto, farpado e tudo. Tudo, tudo incluídos os grafitis a pedir paz e os memoriais em honra dos mortos, tudo parte do folclore turístico que teima em não trazer curiosos à cidade. As mensagens nos muros parecem, ainda hoje, pintadas de fresco. E o cheiro a sangue, sabemos bem, continua a afligir muito boa gente.
De resto, para quem vem de Dublin, Belfast não é nada de surpreendente. A noite despe-se a rigor, com o troc troc torto que marca o ritmo das ruas do Temple Bar. Não, não estou a reclamar. Tenho aprendido a aceitar. Em Belfast, assimilei que, não importa de que lado da fronteira, somos todos filhos do fogo e que, um dia, seremos consumidos em cinzas comuns - que somos todos o sopro do mesmo Ser.

Viagística II

Huedin - Roménia, Vitor Vicente, Janeiro de 2009

Não se aborreça. Abençoe. Abrace o céu, sempre que chegue, parte ou caminhe por uma cidade.

Diáspora de Dublin I


Belfast - Parque do Bairro Protestante, Vitor Vicente, Outubro de 2011

Lembro-me de ter lido, num desses guias que desdizem mais do que dizem de Dublin, que esta cidade se caracteriza por toda a gente ter uma razão para se queixar da realidade do dia-a-dia.
O queixume mais audível, tão comum que se podiam constituir coros, é contra o clima - contra a "chata da chuva". Em Dublin, a chuva é parte constituinte da rotina. Faça frio ou sol de pouca dura, pode sempre, sempre estar prestes a cair uma chuvinha. Daquela tímida, titubeante, ainda assim, intrometida, que molha mais os que lhe reconhecem importância do que aqueles cuja pele se tornou já um impermeável. Hoje, no entanto, caíu (digo, desabou) uma chuvada que molhou a todos, conformados de mãos nos bolsos e ombros semi-erguidos ou eternos descontentes de praguejo na ponta da língua. Pela minha parte, como para tudo o que caia do céu, e de há um tempo para cá, nem uma palavra de protesto - acatei a crença de que o movimento do universo é regido pelo melhor propósito possível.
Outro queixume costumeiro tem como objecto os transportes. Entre duas linhas de eléctrico (há quem lhe chame de metro de superfície) que não cruzam, autocarros que, às vezes, passam pelas paragens como se não fosse nada com eles e comboios que só cobrem os bairros chic da cidade, é tudo uma encruzilhada sem nexo, em que custa reconhecer qual é o mais terceiro-mundista. Neste ponto, estou de acordo. Os transportes públicos da cidade querem-se eficientes e funcionais. Não se lhes pede que nos façam perder tempo, nwm que nos façam perder a noção de tempo. Para esse efeito, existem as escapadas a destinos exóticos, as andarilhagens a amazónias. Os transportes do quotidiano têm que ser prosaicos e ponto. É-lhes permitida alguma poesia quando ajudam-nos a fazer frente às intempéries e à tempestade. Mais ainda esta noite, em que um metro subterrânero teria sido um salva-vidas para tanta gente.
O fim de semana não foi muito melhor. Pelo menos, Sábado, em Belfast. Choveu a tarde toda. A chuva fez-me sentir em casa. Como se a água que cai do céu não fosse a mesma em qualquer parte do mundo.

Viagística I


Islândia - Lagoa Azul, Vitor Vicente,  Junho de 2011

Viajar é a última preguiça possível. A única passível de não ser tida por pecado. O Viajante engana mais que meio mundo - fazendo crer que não se encontra parado.
 

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