segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Diáspora de Dublin II



Belfast - Bairro Católico, Vitor Vicente, Outubro de 2011

Nada melhor do que atravessar a fronteira (outrora, fronteira de fogo) entre a Irlanda e Irlanda do Norte para pôr à prova o quão vão pode ser viajar para ver que tal se vive do lado de lá.
Um dos principais problemas da Irlanda, segundo os queixumes mais quotidianos, é ser uma ilha. Mas antes de virem para cá, pergunto-me, não sabiam? Não pensaram bem nisso antes de aqui assentarem arraiais? Não se deram nem ao trabalho de abrir um Atlas e tirar metade da tarde para estudar um pouco de Geografia? Numa ilha, o isolamento é encanto e magia - é auto-recriação, vertiginosa e contínua. Boring?, só para quem não sabe o que é ser (nascer) animal de arquipélago, animal em vias de extinção desde que a espécie descobriu formar uma sociedade e obrigar-nos a ganhar a vida como um bicho gregário.
Como se não bastasse o facto da Irlanda ser uma ilha - e, assim sendo, não se poder pegar no carro (há pessoas para quem as possibilidades de viajar se resumem a estar ao volante) e ir para o próximo país -, como se não bastasse isso da condição de ilhéu, e ainda acresce que é logo uma ilha e homogénea. A paisagem de qualquer cidade irlandesa é invariavelmente de povoada de paddys, pubs & pints. E o verde, sempre o verde. Na capital ou no country side, tanto faz.
Belfast, lá no Norte, não destoa, não é tão diferente. O centro, é certo, não envergonha qualquer cidade europeia. Só que, mal se dá dois passos, logo ao virar da esquina, começa o festival de fábricas e de armazéns que normalmente se encontra nos arredores. Entre os bairros católico e protestante, mantém-se o muro, agora aberto, farpado e tudo. Tudo, tudo incluídos os grafitis a pedir paz e os memoriais em honra dos mortos, tudo parte do folclore turístico que teima em não trazer curiosos à cidade. As mensagens nos muros parecem, ainda hoje, pintadas de fresco. E o cheiro a sangue, sabemos bem, continua a afligir muito boa gente.
De resto, para quem vem de Dublin, Belfast não é nada de surpreendente. A noite despe-se a rigor, com o troc troc torto que marca o ritmo das ruas do Temple Bar. Não, não estou a reclamar. Tenho aprendido a aceitar. Em Belfast, assimilei que, não importa de que lado da fronteira, somos todos filhos do fogo e que, um dia, seremos consumidos em cinzas comuns - que somos todos o sopro do mesmo Ser.

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