terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Diáspora de Dublin XXXIII

Amanhecer em Rathmines - Dublin, Vitor Vicente, Janeiro de 2014

Das poucas vezes que, daqui de casa, tenho tido oportunidade para mandar parar o mundo e assistir à realidade a um ritmo alternativo, durante um desses magistrais momentos, tenho-me intrigado com a cúpula verde - verdíssima, à noite - da igreja que, sentado no sofá, vejo através da janela.
Antes de avançar na intriga, sinto-me no dever (que é como quem diz, ser direito do leitor estar ao corrente) que se trata da primeira vez que, aqui em Dublin, moro numa casa com vista digna desse nome. Primeiro, morei num pequeno quarto de uma grande casa e cuja única vista era o quintal e as criancas que brincavam nesse quintal. Depois, habitei numa casa-cave e que dava também para as traseiras. Por fim, bem grado o upgrade, mudei-me para um apartamento de condomínio fechado, cujas janelas também davam para o lado de trás do edifício. 
Voltamos então à igreja que, de momento só avistamos mas onde, várias vezes, já estivemos. Uma delas, memorável, em que o meu pai, senhor de aparência anglo-saxónica ou irlandesa mas marxista-leninista convicto, foi confundido com um dos fiéis que, todo o santo domingo, pica o ponto na missa. Até o coitado do Cristo ia caindo da cruz e, por pouco, lá se iam dois mil e tal anos de histórias da caroxinha e de outras historietas mal contadas afins.
O caso aqui não é o da cruz, mas o da cúpula. Dessa cúpula verde, verdíssima, à noite, e que quanto mais verde, mais me dá a ideia que nos vê. Que nos observa com o olhar furtivo de detetive.
Na verdade, esta sensação não é nova. Tambem não é do tempo em que os apóstolos falavam, mas quase. Data - para ser mais preciso -de quando morava no topo desta rua e, ao descê-la, na direção do centro da cidade, me parecia que a cúpula desta igreja queria conversa e que, à falta de interlocutor, dava-me que falar com os meus confessores botões.
Como alguns atrás, algures entre o tempo dos apóstolos e o dia em que cheguei (oh, odisseia ferro-marítima!) a Dublin, quando ainda vivia em Barcelona, e me parecia que, de lá do alto, a igreja que mais tarde soube ser a igreja do Tibidabo, essa igreja tão turística quanto profana, controlava toda a cidade, Ramblas incluídas. As igrejas sempre me intrigaram. Desde a infância, passando pela ateia adolescência. Até nos anos épicos de Barcelona, em que vivia a menor das realidades com a etiqueta do mais romântico e exagerado dos estetas. 
Ate pode ser que, tanto a igreja do Tibidabo e a cúpula verde - verdíssima, à noite - da igreja nao me estejam a ver, nem sequer a controlar. Contudo, estou certo que uma casa não é só a casa, que uma casa não se esgota nas quatro paredes. Que uma casa também se compõe do caminho de casa, do quotidiano. Do que de mundo chega até dentro de casa.  

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