domingo, 27 de novembro de 2011

Ir à Índia IV


Nem houve lugar a divagar sobre outros lugares, nem a variações sobre velhas viagens. A ida à Índia tomou-me todo o meu tempo. Tomará também o tempo deste blog. 

P.S. Houve Haaretz. Haverá também o "report" das horas intercaladas entre Israel e Índia.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Que horas são em Haaretz? IV

Detector de Metais à entrada do Bairro Judeu - Jerusalém, Vitor Vicente, Setembro de 2011

Cheguei há bocado da gala de apresentação de "Israeli Film Days", no Filmbase, no centro de Dublin. Gala, diga-se desde já,  sabotada. Pelo circo do costume.
Logo à entrada, uma manifestação de pró-palestinianos entretinha-se a insultar todo aquele que entrasse no evento e a entoar cânticos de libertação de Gaza. Diante deles, o corpo policial fazia o que podia para conter os ânimos.
Antes de descer à sala de cinema, os espectadores tinham de se sujeitar a um detector de metais. Como se fossem apanhar um avião. Ao que isto já chegou: ter que passar um detectar de metais só para poder assistir a um filme!
Assim que começou a sessão solene de abertura, ouviram-se vivas à Palestina ou bocas anti-semitas. Já não eram os protestantes lá fora (que, debaixo de chuva, continuavam). Antes um infiltrado na plateia.  Durante os discursos do embaixador de Israel e da organização, também houve lugar a interrupções por parte de mais infiltrados. Alguns deles tinham até papéis para cuspir as palavras que conseguissem cuspir naqueles breves segundos em que os seguranças os punham lá fora (ao lado dos outros protestantes que, debaixo de chuva, continuavam).
Voltarei a este tema. Mais tarde. Prometo. Com menos tensão e mais tempo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Viagística IX

Ventoinha no quarto de hotel - Buenos Aires, Vitor Vicente, Fevereiro de 2010

O dia da partida? Deixa ver. Quando, pela primeira vez, pensámos que havia mais realidade para além da rotina.

sábado, 19 de novembro de 2011

Ir à Índia III


"Passports are on my pockets", eis a sms que enviei aos meus amigos, assim que saí da embaixada da Índia. Em vez de sms, podía chamar de "text". Não gosto de usar a palavra "text". Parece-me uma palavra para aplicar a algo mais literário, mais inspirado. Mas no caso foi uma sms inspirada - logo, um "text".
Tenho ainda os passaportes em minha posse. Estão em cima da mesa de cabeceira. Curioso, abro-os. Comparo-os.
Atento, antes de mais, ao passaporte-ele-próprio. Faço visto grossa, por agora, aos carimbos. O passaporte francês não tem retratos de escritores, nem de figuras proeminentes. Nas folhas podem-se ver as regiões da França. Seria dificil eleger o par de escritores franceses. Pergunto-me: quem seriam os Camões e os Pessoas? Montaigne? Diderot? Voltaire? Sartre? Sade, quem sabe?
Passemos então aos esperados carimbos. Ambos os meus amigos, como bons franceses, têm o carimbo das Maurícias. O outro carimbo comum foi obtido na Jordânia. De resto, um deles não tem mais nenhum e o outro tem carimbos que cheguem para uma colecção. Em comum comigo, contudo, só o Brasil.
Segue-se a Índia, senhoras e senhores, de hoje a oito dias.

Diáspora de Dublin VIII

Irish Rail, Iarnród Éireann - Dublin, Vitor Vicente, Julho de 2010

Escrevo da estação de Heuston. Não estou à espera de embarcar, nem espero por ninguém embarcado. Escrevo desta estação com a urgência de partir e sem outro ponto de partida que não o papel.
Pensando bem, posso dizer que acabei de desembarcar nesta estação. Durante as últimas horas, consegui perder-me na cidade onde vivo.
A cidade onde vivo é um labirinto. Tudo o que é edifício e construção é cópia dos demais edifícios e construções. Os bairros sociais são iguais em todos os bairros onde, ao lado dos chamados bairros normais, os plantaram: com o fim de integrar os irlandeses com os irlandeses. Não há volta a dar. Dublin é uma cidade eminentemente homogénea. Enquanto capital, cabe-lhe cumprir o estatuto de arquétipo, de modelo a partir do qual se criam as demais cidades.
O ambiente é favorável à familiaridade. Onde quer que estejamos, dá a ideia de que já estivemos aqui. Pensamos que pertencemos a este país, ou pelo menos à paisagem deste país. Ou, no mínimo, que já fazemos parte desta cidade. Só que a familiaridade não traz nenhuma luz, tão-só um lusco-fusco que nos deslumbra e em nada nos ajuda. A beleza, sabemo-lo desde sempre, jamais foi talhada para a utilidade.
Podia agora apanhar um comboio para outra cidade. Não preciso. Atrás de mim, estende-se uma cidade em que ainda me posso permitir a perder-me. Uma cidade assim, que nos perde no encalço dos próprios passos, não pode saber a pouco. 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Com a de-vida distância V

Temple Bar - Dublin, Vitor Vicente, Março de 2011

Conheci um português com uma enorme vontade de partir. Esteve em Dublin, a convite de um amigo comum, também português. Durante uma semana, o visitante sonhou de olhos abertos. Teve o paraíso a seus pés. Foi um César em todos os caminhos que trilhou.
Não o vi no dia em que teve de voltar para Portugal. Vi-o na véspera. A véspera é pior do que o dia da partida. A véspera pode ser um verdadeiro vexame. É quando mais sentimos que estamos a ser escorraçados. Que falácia é pensar-se que na véspera damos tudo o que temos e não temos dentro de nós. Não. Na última noite, por mais que queiramos dar algo ou deixar algo ao mundo, estamos semi-vazios. Como o copo que vai a meio e que, por qualquer estúpida superstição, não conseguimos terminar. Na véspera sentimo-nos a esvaziar. A evaporar. 
Este português ter-se-á defendido com a ideia de que, mais cedo ou mais tarde, terá que para cá voltar. Não mais como um breve vapor, antes de vez e para fazer vida. Com solidez, seriedade. Terá pensado, pergunto-me, que todos os sonhos não são sólidos nem sérios? Terá pensado que o mundo dos lúcidos é um território sujo e sórdido? Duvido. Quem  sonha tão alto jamais o alcança. Não tem outra pressa senão em soltar-se da âncora. Em libertar-se desse peso, desse gigantesco e tremendo peso. Para que, por fim, possa partir.

P.S. Revi-me no português que queria partir. Traguei-lhe os trejeitos que já não tenho, aplaudi-lhe as ânsias e incitei-lhe a fazer-se ao leme das mudanças. Foi a minha maneira de lhe retruibir por me permitir reviver-me a mim próprio, com a de-vida distância. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Variações sobre Velhas Viagens IX

Um dos cerca de cento e cinquenta canais de Veneza, Vitor Vicente, Maio de 2009 

A Veneza do século XXI pouco mais mantém de Marco Polo do que o Aeroporto a que atribuíram o nome do viajante.
Ainda assim, Veneza continua a ser uma cidade de valor venal. Ao invés de viver do comércio externo, de explorar a condição de porto privelegiado entre o Velho Continente e o Oriente, a Veneza de hoje vive de vender as suas entranhas aos turistas, de expôr o seu esplendor, a sua beleza. Esta cidade e seus cerca de cento e cinquenta canais são como uma velha prostituta. Parada no tempo, é certo. Charmosa, contudo.
Prometi a mesmo próprio que só voltaria a Veneza no Carnaval ou se tomado por uma paixão. As ruelas de Rialto e arredores só são desfrutáveis a dois ou imersos no baile de máscaras. Mas eis-me de volta a uma Veneza onde nunca estive - no encalço da biografia do viajante Marco Polo.

Variações sobre Velhas Viagens VIII

Final da Tarde no Mar Morto, Vitor Vicente, Setembro de 2010

Pronto, o Mar Morto não foi eleito para as Sete Novas Maravilhas da Natureza. Está feita a vontade de mais de meio mundo. Só interessava a Israel. Caso lograsse a conquista de um lugar, teriam dito que o júri era pró-judaico. Como não foi o caso, pronto ó Mar Morto, dá-se o caso por encerrado. Para gáudio dos que só ganham com a derrota de outrém.
Sendo assim, sobra-nos mais Mar Morto. Israel continuará imune a tempestades de turistas. Só flutuarão, à superfície do sal, os elitistas de espirito. 
Ó Mar Morto, quanto do teu sal são lágrimas diasporizadas por Portugal?  

Diáspora de Dublin VII


Guinness - Galway, Vitor Vicente, Março de 2011

A Irlanda, como ainda tem idade para se comportar como uma criança, pode-se permitir a certos caprichos. Como o narcisismo, que no caso das Pátrias é tido por nacionalismo. Ou a exaltação desmedida de si e de suas façanhas, que no caso das nações se nomeia épica de pacotilha. Isso sem que nada nem ninguém a leve a sério. Este país infantil e ternurento que é a Irlanda pode até ter o prazer de vender pão com a marca "Irish Pride". Sem que os países graúdos lhe venham pedir explicações ou a obriguem a pedir perdão. Era o que mais faltava. De tantos são os produtos com o autocolante, "Buy Me. I`m Irish", que abundam por esses supermercados de Dublin. 
Já o grande colosso germânico não pode cantar as glórias da casa. Se alguém sequer as ensaia, não tardam a temer e a espalhar o temor que o Terceiro Reich está de volta. Se cair uma telha na judiaria ali ao lado, então não faltarão acusações contra os alemães que se voltaram a achar os maiores. Isto enquanto, numa  esquina não muito distante, enquanto, dizia, não há clientes para a kebab, um dos muitos turcos por estas bandas se lembra de erguer a bandeira da Alemanha.
Na América todo o patriotismo é possível por se passar na América. Claro que é logo tido por tolice por parte dos comunistas e por sionismo por parte dos pró-palestinos. De resto, não creio que se faça caso. É cultural. Aceita-se como parte do chamado show off.   
Em Portugal, à falta de toalhas e de lençóis, usa-se a bandeirinha para tapar a miséria moral. Os nacionalistas de naftalina aproveitam a ocasião para fazerem ouvir a sua velha orquestra. Os esquerdistas chamam a atenção para um possível regresso do exército de fantasmas salazarentos e espalham o medo pelas sete quintas e quinas da Lusitânia. Fica conjugada a circunstância para todos tentarem fazer vingar os seus interesses, sem que no assunto sejam tidos nem achados nem chamados.
Em toda a parte, o miolo é mais do mesmo. Só a côdea cambia. Eu cá como do pão que o irlandês amassou.  E mais não digo: que eu saiba, ainda é  falta de educação falar de boca cheia. 

sábado, 12 de novembro de 2011

Variações sobre Velhas Viagens VII

Panorâmica do Rio de Janeiro, Vitor Vicente, Agosto de 2008


Muitos portugueses dizem "que já lá dizia o Poeta" sem fazer a menor ideia de quem é o Poeta. Trata-se de Fernando Pessoa, o poeta que mais é citado por pessoas que nunca lhe leram uma letra. Pessoa representa todo o tipo de português. Incluídos os incorrigiveis. Desde os iletrados, ignorantes, até aos próprios poetas, essa pária podre que são os poetas.
A condição de peste é próprio da vida de qualquer Poeta, em qualquer parte do globo. Não importa a Pátria: o Poeta sempre vai aparentar ser um apátrida. Não sei qualquer será o equivalente de Pessoa no Brasil. Mas sei que no meu Brasil seria Hilda Hilst.
Visitei a Casa do Sol, em Campinas, onde Hilda viveu e onde viviam alguns dos seus amigos. Trouxe alguns livros de poesia e muitas lembranças - as suficientes para, sempre que me chega alguma referência a Hilda, me doer o coração com saudades do Brasil.
A pedido da namorada da época, tirei uma foto ao lado da estátua de Drummond. Entretanto, soube que a estátua foi vandalizada. E eu a pensar que os políticos estavam a limpar as cidades, com vista à Copa e às Olímpiadas. Ah mas atentar contra os poetas, ah isso perdoa-se. Criminoso contra criminoso, concluem os corruptos, os putos do parlamento, podem muito bem combater e combater: até que não sobre ninguém para contar a história.

Diáspora de Dublin VI


O Trânsito mais longo do Mundo - Transiberiano, Vitor Vicente, Setembro de 2009

Por mais que o cansaço possa ser parte do quotidiano, por mais que a realide pareça sinónimo de desgaste, estou ainda convencido que todas as experiências são únicas e irrepetíveis e que, ao mesmo tempo, todas as experiências são uma experiência - a experiência do mundo. 
Considero o caso de viajar de comboio. Todas as vezes que viajo de comboio volto a andar no Transiberiano. Seja o trajecto de Dublin para Belfast ou o caminho de ferro que vai de Guangzhou até Schenzhen.
Gira o disco e toca o mesmo. A sequência é a de sempre. Só que o passo de qualquer dança, de tão milimétrica, jamais será como antes. Seja dança, seja exercício de ginástica.
No ginásio de Dublin, por vezes, tenho a sensação que todos os atletas estão sincronizados como a melhor orquestra de Viena. Estejam eles a trabalhar os trícepes, a pedalar na bicicleta ou a fazer flexões. Para mim é um facto: somos todos um corpo, movimentamo-nos todos dentro uns dos outros.
Assim seja. Assim como a play list aqui do gym é a mesmíssima todo o santo dia. Gosto de um ginásio assim - que me imponha uma rotina, uma disciplina.

Que horas são em Haaretz? III


Cidade Velha - Jerusalém, Vitor Vicente, Setembro de 2010

Nunca fui grande fã de fotografia. Durante algun anos, recusava-me a viajar com máquina fotográfica. Achava que tirar fotos distraía-me da escrita. Até ao dia em que anunciei fazer o Transiberiano e um coro de amigos convenceu-me a comprar uma máquina. Desde então não faço uma mala sem lá colocar a máquina.
Mas essa mudança deu-se largos anos depois do dia em que - ainda eu vivia em Portugal - fiquei estancado numa exposição de fotografia de Joshua Benoliel, na Fnac do Chiado. Na altura, como sempre, não dei importância. Apenas me deixara ficar impressionado. Facto consumado, que não me pôs a pensar nem um insignificante instante. 
Recentemente, voltei a ter contacto com a fotografia de Joshua Benoliel. O reeencontro deu-se nessa galeria imensa que é a Internet. O nome do autor - que quando se trata de fotografia não costumo fixar - soou-me familiar. Senti que entrei em contacto, através de um vaso comunicante, com um olhar que podia muito bem ser o meu, senti-me a ser olhado nos olhos. Naquele olhar tremendo e lúcido que, apesar de trazer à luz acontecimentos específicos e datados, retrata mais que o espírito de uma época - retrata o espírito humano.
Hoje, Joshua Benoliel obriga-me a ver as suas fotografias com redobrado olhar. A sua visão dos homens consegue fazer-me crer que todos nós já andamos aqui há mais tempo do que temos memória.
Como seria o olhar de Joshua Benoliel, em pleno século XXI, sobre Israel?

Com a de-vida distância IV


Bandeira Portuguesa no dia da final da Liga Europa - Dublin, Vitor Vicente, Maio de 2011

Comiamos castanhas como quem come pop corn. Podíamos até chamar-lhes de pipocas sazonais. Sabíamos que só as podíamos ter ali e agora, que logo esse sabor iria embora. Um sabor que se evaporava, volátil, como a própria vida. Que, um dia, seria levado para longe, por um qualquer vento e para uma qualquer terra que não conhecíamos e para onde nos apetecia partir.
Era um cheio que viajava no tempo e no espaço. Um cheiro viajável como uma sala de cinema. Como o cheiro das castanhas assadas que, hoje, voou até Dublin e me fez ter saudades dos doces finais de tarde, às Sextas e em Lisboa.
Ainda não sabia ao certo o significado do Shabat. Ainda não atribuíra uma cor a cada cidade. Na verdade, ainda não começara a conhecer cidades. Nem pensara que, algum dia, perderia a paciência por haver pouca paleta para tanto mundo. Ainda não conotara cada cidade com um cheiro.
Mas hoje cheguei a Lisboa através do cheiro. Ou melhor, no nevoeiro do carro do assador de castanhas de Joshua Benoliel. Não me resta outra maneira de voltar senão estas manhãs messiânicas e sebastianísticas. Vivo encoberto, vivo exilado. Com a de-vida distância.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ir à Índia II



Ter que tirar o visto transforma toda a ideia da viagem. Não só quando o visto é tirado à queima-roupa, à chegada ao aeroporto. Sobretudo, quando o temos que tirar, com antecedência, antes ainda de apanhar o avião. Aí, a adrenalia sobe.
Sobe-nos o sangue. A embaixada surge-nos como o nosso primeiro passo nesse país que, embora dado o primeiro passo, não pisámos - ainda. O passo dado não é mais do que um passo falso.
Tiradas as medidas, medidas as intenções, lá nos darão o visto de entrada. Para nos lembrar que existem fronteiras, de facto e gravata. O pessoal da embaixada parece meio parado no tempo, ou saído de uma novela de Franz Kafka. 
No tempo de Kafka, ser aceite pela alfândega americana significava abrir a porta da terra dos sonhos. Há cinco séculos, na Pérola do Atlântico, partia-se para descobrir Índias. Eu  vou atrás da ventura dos meus antepassados. Já só sei ir em frente via revivalismo revitalizado.  

domingo, 6 de novembro de 2011

Variações sobre Velhas Viagens VI


Banco de troncos - Central Park de Nova Iorque, Vitor Vicente, Abril de 2011

Os idiomas revelam muito da personalidade dos povos. Os alfabetos fonéticos vão mais longe, mais fundo, até à alma. Abrem a alma, deixam-nos em contacto directo com ela, sem interlocutores, nem intermediários.
Neste sentido, encontro-me um pouco limitado para conhecer os povos. Tenho que me limitar aos três idiomas que falo e que me são minimamente familiares.
Primeiro, aquele que me é mais próximo: o Português. Considero macabro, de mau gosto o D de Dafundo. Preferia o D de dado. Seria perfeito. Como o E e Évora, que salienta a letra em todo o seu esplendor. De resto, o nosso alfabeto fonético mais parece um comboio regional. A de Aveiro, C de Coimbra e por aí fora - até ao V de Viseu. Para não falar que os lisboetas dizem P de Portugal e os portuenses dizem P de Porto.
O mesmo se passa com os espanhóis. M de Madrid, B de Barcelona. Só não sei se os catalanistas ou o bascos já encontraram alguma alternativa politica para E de España. Numa coisa, disso estou certo, é que são unânimes no N de Navarra. Mas alguém mais senão um espanhol nativo se vai lembrar de N de Navarra?
Já o Inglês, ou o também tido por Internacional, também tem os seus regionalismos. R de Romeo, J de Juliette. Ou será que Romeu e Julieta devem ser considerados personagens cosmpolitas? Fica lançada a questão. Eu cá gostava de ouvir C de Camões ou E de Eça de Queirós. E por que não? Já ouvi dizer "Y de Nova Iorque, mas só o Ypsilon". Como se não houvesse uma cidadezinha no Reino Unido chamada York. Como se só existisse Nova Iorque, se todos nós fôssemos Nova Iorque.

P.S. - Pode não parecer, mas este post é para provar a omnipresença de Nova Iorque nas nossas vidas. À leitura das almas através do alfabeto fonético voltaremos mais tarde. Até lá, pode ser que o País de Gales comece a mandar no mundo e alguém ouse dizer "G de País de Gales, mas só o G".

Com a de-vida distância III

Na Noite da Transilvânia - Cluj-Napoca, Vitor Vicente, Janeiro de 2009


A amizade é à prova do tempo. Não importa por quanto tempo estejamos distantes, nem a diferença horária entre a terra onde cada um ergueu a tenda. Os amigos não se medem aos fusos. Os amigos estão sempre lá, na hora H.
Os amigos vivem sempre na mesma franja horária. Mesmo quando estão longe, mesmo quando estão ausentes. Entres estes últimos, incluem-se também os mortos.
Mas não é hora de falar da morte. A morte já é uma certeza, mesmo quando para a farra não é chamada. É hora de falar do Facebook, de como essa ferramenta social nos permite acompanhar o movimento contínuo e ininterrupto do mundo através das actualizações dos nossos amigos.
Pensamo-nos o centro do mundo. Pensamo-nos e, num certo sentido, somos o centro do mundo. Pelo menos, o centro do nosso mundo. Como os outros serão o centro do seu mundo. Auto-centrados, todos contentes com isso, como se fosse um título, um estatuto, consideramos que uns vão à frente e outros ficaram para trás. Nós cá, no nosso canto, estamos posicionados no meio. Privelegiados, claro está. Vemos alguns amigos a preparem-se para ir para a farra enquanto outros acabam de acordar da farra anterior. Mais tarde, somos nós que estamos com pé e meio na party, enquanto outros desaparecem com mensagens de boa noite e outros vão publicando notícias sérias e lúcidas.
Compreendemos que a viver é um acto cíclico. Que os amigos vão e e vêm, em consonância com o movimento do mundo. Haja maré vazia de amizade ou dêem corpos de amigos à costa, nós assistimos a tudo com a de-vida distância.

Diáspora de Dublin V

Grafton Street - Dublin, Vitor Vicente, Março de 2011

O Poeta (Pessoa, se não me falha a memória) terá dito que o melhor do mundo são as crianças. Pode ser que assim seja em todo o mundo, menos nesses país infantil que é a Irlanda. Em que as crianças, debaixo do nariz complacente dos pais, correm pelos pubs, como se fossem pistas olímpicas.
E mais não digo, para manter a honra do convento e o bom nome da Diáspora.

Viagística VIII

 Tren Patagonico - San Carlos de Bariloche-Viedma, Vitor Vicente, Fevereiro de 2010

Socorremo-nos das salas de cinema para viajar às terras que se perderam no tempo e a que faltam meio de transporte para podermos voltar.

sábado, 5 de novembro de 2011

Variações sobre Velhas Viagens V

O Inverno de Cluj-Napoca, Vitor Vicente, Janeiro de 2009

Chegámos a Cluj-Napoca a altas e avançadas horas da noite. Deixadas as armas e as bagagens no Hotel Transilvânia, ao cuidado de um recepcionista muito magro, Olívio de seu nome, e que durante dois dias só vimos comer maçãs, deixadas as ditas, fomos à cidade para comer qualquer coisa.
Estava tudo fechado. O único estabelecimento aberto era um supermercado. Às cegas, como quem não sabe a coisa, comprámos um par de pães embalados.
Cá fora, assim que mordi o primeiro pão, praguejei um palavrão. O meu colega perguntou-me se não gostara do pão.
- Não. É que não tem nada dentro. Pão com pão. Pão.
Desatámos a rir. Eu acabara de ecoar um velho atleta do ginásio, dos anos da adolescência e que tinha por hábito involuntário acabar as frases como as começava. Por exemplo, se lhe perguntassem pelos músculos que iria trabalhar na sessão de hoje, o rapaz diria "Peito e bícep. Peito." Quem diria que, passados todos estes anos e tão longe, as suas famosas deixas se fizessem ouvir na Transilvânia?
Estávamos ainda a rir. Nem conseguíamos comer os pães. Naquele momento, toda a Roménia se resumia ao riso.

Viagística VII


Baía de Tromso - Noruega, Vitor Vicente, Agosto de 2010

Todos nós já tivémos um dia em que a rotina nos cortou a respiração. Precisámos de um outro país como de um pulmão.

O meio de transporte mais tradicional e mais moderno é o balão de oxigénio.

Não há pior agonia do que a asma de ter de ficar em casa.

Viagística VI

Berlin - Porta do Metro, Vitor Vicente, Novembro de 2009

Aparentemente, o cenário é o de sempre. O mesmo autocarro, à mesma hora, a transportar a mesma massa de passageiros.
Só que é Sexta. À Sexta de manhã, todos os passageiros brilham por se encontrarem prestes a terminar outra viagem de cinco dias. 
Mais ainda aqueles para quem o fim desta viagem marca o início de outra. São facilmente identificáveis por trazerem trolleys. Junto deles, todos apetrechados com objectos alados e com rodas, sentimo-nos passageiros pequenos e menores, passageiros faz-de-conta, de segunda categoria.
Desconhecemos o seu destino. Invejosos, imaginamos. Imaginamos até ao infinito. Levam-nos para longe. Agradecidos, perdoamos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Variações sobre Velhas Viagens IV

Nova Iorque - Broadway, Vitor Vicente, Abril de 2011

É de comum conhecimento que o clássico "O Fantasma da Ópera" passa-se em Paris. Só que na minha cabeça a acção passa-se em Nova Iorque, em pleno e sujo século XXI. Sem damas nem nenhum dandy que as corteje, nada.
Comprei este livro em Dublin, é certo, alguns dias antes de voar para os Estados Unidos. Contudo, é como se o tivesse comprado do outro lado do Atlântico, como se sempre que o leio eu volte a estar na Big Apple, como se a América fosse um cerco e de nunca de lá tivesse saído.
Assisti a "O Fantasma da Ópera" na famosa Broadway. A rua (há quem lhe chame bairro) foi uma decepção. O espectáculo não. Para começar, a encenação - esplendorosa. Depois, uma acústica tremenda. Num nível de envolvimento que só os americanos poderiam executar. Ainda hoje ouço ecos desse espectáculo. Chega-me até a custar concentrar-me na leitura do livro de Leroux.
Na verdade, o meu livro já nem é o livro de Leroux. É o livro que me faz voltar a viajar por Nova Iorque. É que cada exemplar de cada livro é único e irrepetível. Como a vida. Como D`us. Como tudo o que participa da essência do sagrado.

Que horas são em Haaretz? II


Jerusalém - Porta de Sião, Vitor Vicente, Setembro de 2010

Trocaram o jovem soldado Shalit por mil prisioneiros palestinos. Seja. Há que honrar o preceito de salvar uma vida humana. Sempre.
Só que, mais do que mil facínoras à solta, Israel acabou de dar ideias a alguns países árabes. Ocorreram-lhes artimanhas como capturar uns soldados. Para mais tarde, pedi-los para a troca. Como os cromos das cadernetas que trocávamos, quando éramos crianças.
Parece brincadeira, mas a Palestina passou a pertencer à Unesco. Um pequeno passo para a independência, um grande passo para os islamistas estarem mais perto de poder destruir Israel.
Mas essa manobra ninguém viu. Nem que Shalit chegou pálido e magro diante das câmaras e que as suas primeiras palavras foram a pedir paz. Isto enquanto os palestinos foram soltos em carrinhas da cruz vermelha e, mal chegaram a casa (digo, a Gaza), gritaram que a luta (armada) e a guerra continuam. Isso também ninguém viu.
Nem que o Avante acabou de apontar os sionistas e os states como os responsáveis pela crise mundial. Na verdade, ninguém lê o Avante, a não ser nas capelas da foice vermelha. Menos lida ainda é a coluna de poesia do dito jornal. Quem gosta de poesia não abre o Avante e quem o abre não tem cá pachorra para os poetas, esses preguiçosos que nada fazem em prol de nada, que é como quem diz em prol do proletariado.
Só a poesia pode salvar Sião.

Com a de-vida distância II


Brasov - Cárpatos, Vitor Vicente, Janeiro de 2009

Enquanto vivi na Catalunya, viajei duas vezes com os meus pais. Uma a Amsterdão, a outra entre Paris e Bruxelas. Alguns colegas espanhóis tentaram convencer-nos a não querer conhecer a capital do continente: "Por que no te vas a Brujas?". Repeti: "Brujas?". Eles insistiram: "Si, tio. Brujas. En Belgica.". Pareceu-me ter percebido e dei uma palpite: "Ah Bruges!". E assentiram: "Eso es.". Só então entendi os espanhóis.
Entretanto, já entendera que o Halloween quase não existia em Espanha. Espantei-me. Em Portugal havia um crescendo de celebrações. Pensava eu que assim era em toda a Europa. Em Dublin toda a cidade o celebra. Durante dias. Como um Carnaval, com direito a traje a rigor e tudo. E em tudo o que é pub, nightclub e até restaurantes.. Em Barcelona "la noche de las brujas" passa em claro, excepto às discotecas dark e alguns pontos nocturnos pontuais.
O Halloween é melhor medidor de anglofilia. Quanto mais anexados à América, mais efusivos são os festins das abóbaras e afins. Além da América, todos os países anglófilos o comemoram com pompa e circunstância. Depois estão os países que, como Portugal, estão convencidos que tudo o que fale inglês nativo é nobre. E por aí fora, até à Espanha, até aos que vivem de costas para a civilização, como Cuba ou a Coreia do Norte.
O Halloween está para os Estados Unidos como o Carnaval para o Brasil. Já imaginaram como seria o impacto de um exército de vampirosos em Habana ou um desfile de mulatas no reino igualitário de Kim?
Eu não. A minha viagem foi outra. Deu-se no único club gótico de Dublin. Sempre que aterro num gueto deste cariz, não importa em que cidade, sinto que estou em Lisboa, que recuei aos anos idos e alcoólicos da adolescência. Sou então capaz de gestos e atitudes que supunha enterrados dentro de mim. Surge-me um monstro no meu próprio corpo. Eis o mais autêntico assombro de Halloween, eis-me a ter medo de mim. Eis-me a viver Portugal com a de-vida distância.
 

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