sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Som e o Sagrado (Israel)


Praia de Tel Aviv, Vitor Vicente, Junho de 2012

Quanto mais curta uma viagem, mais dificil de dizer em poucas palavras. Os resumos não foram feitos para reproduzir realidades das quais, face à urgência e à falta de tempo, se requerem relatos rápidos. Realidades breves, fugazes como a própria vida. 
Existem momentos que justificam toda a experiência da existência e do mundo. Por exemplo, momentos musicais.
Desta viagem a Israel guardo, sobretudo, sons.
Ao levantar o pano - ou, já que é um palco sonoro, no princípio da pauta - surge um saxofone. Ouvido, certa, noite, na esplanada de um bar de Jazz de Jerusalém. Sempre que o saxofone se sobrepunha ao contrabaixo, sacudiam-me duas ideias: a de que me encontrava além de Jerusalém e a de que, onde quer que esteja, em Jerusalém estarei. Simplesmente: estava suspenso no som do saxofone.
Do saxofone passamos ao silêncio. Sim, esse senhor, o silêncio, que é capaz de reduzir multidões ao mutismo. O silêncio, por sinal cerimonial, que ecoou, certa tarde, numa praia de Tel Aviv. Explico: estava aqui o escriba debruçado - precisamente - no papel quando, terminado o texto, pensou ter transformado a praia num deserto. A areia - sabe-se há séculos, senão mesmo há milénios - dos místicos é alada, anfíbia e sábia. E mais, consegue pôr toda a gente - nem que seja por gloriosos minutos -  calada. Para que assim, assente na areia, se efective o real exilio da escrita. Também tida por termo da escravatura, escapada do Egipto - sem que não nos engasguemos e numa só palavra: êxodo.
Este silêncio voltou a ecoar, no dia seguinte, já na Europa -  no coração do continente. No comboio que vai do aeroporto de Viena até ao centro da cidade, ouvi o silêncio dar as ordens que nem um maestro de orquestra. Noutro comboio, o citadino, ainda em Viena, era um regalo para os tímpanos ouvir os travões chiarem sempre que se chegava à proxima paragem. Entre uma paragem e a próxima, sempre o mesmo sonoro e silencioso aviso. Quem não desse pelas paragens, sentia que podia continuar neste comboio - continuamente, para sempre. 
Para sempre - pois nunca de lá saímos - voltaremos a Israel. Com ou sem "kipah", era sempre saudado com um "Shalom". Saudação que, por não conseguir dar seguimento em hebraico e depois de uma sequência de embaraçosos silêncios, deixei de repetir. À despedida, todavia, lá soltava um tímido "Todá".
Despedida? Todas as viagens a Israel são só de ida. Despedir-se é só dar ínicio ao próximo regresso.

4 Comentários:

Manuel Poppe disse...

Havera: perto daqui vivi eu 5 anos maravilhosos! Se for à Dizengof, espreite o café Segafredo. Shalom!

Vitor Vicente disse...

Agradeço a dica!

Desta vez, não fui a Dizengof...

Mas, para a próxima, não perderei a oportunidade.

Todá!

Boaz Gabriel disse...

Sem dúvida que existe em Israel algo que é impossível deixar. O próprio tempo é tão diferente.
Vivo aqui há quase 7 anos e parece que passou a correr. Da primeira vez que voltei a Portugal, após os primeiros 6 meses de residência em Israel, senti-me um estrangeiro.

Vitor Vicente disse...

Eu vivo ha quase 6 anos fora, divididos entre Barcelona, Dublin e viagens varias, e sinto uma especial estranheza sempre que vou a Portugal.
A estranheza extrema de, ao que parece, ja ter sido pertenca onde agora sou estrangeiro.

O fuso horario com Israel nao se mede em horas, mas em milenios. Um fuso fulminante.

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