quarta-feira, 21 de março de 2012

Fim de Semana ao Sul III


Europa Point - Gibraltar, Vitor Vicente, Março de 2012
Miguel levanta uma das mãos do volante:
- Vês aquela rocha? Enorme?
- Espera. Tenho que pôr os óculos – apresso-me a responder, já habituado a precisar de algum tipo de auxílio para poder ver o que todos podem ver.
- Não precisas, homem. É enorme – reforça o meu amigo.
Já de óculos postos, dou de caras com o rochedo. Dá para entender que está longe , que é pela imponência que dá a ilusão que está perto.
- É já em Gibraltar?
É já em Gibraltar. É já um terço do tamanho do Gibraltar. É o cartão de visita da cidade. Dá-nos  as boas-vindas, fica-nos na retina.  Grava-se no cérebro com o poder de um verdadeiro monumento de pedra.
Dizem que os Ingleses construíram toda uma cidade lá dentro, a fim de se protegerem de possíveis ataques bélicos. Esta rocha é como que uma trincheira de guerra. Dela diz-se – como pouco se sabe, muito se diz, tal é o mistério – que veio de África. Uma rocha anfíbia, portanto. À prova de bala, à prova de água. Para ficar na memória. À prova da morte, portanto.
É o abono de família dos Gibraltinos. Para Inglês ver e turista visitar. Nela vivem macacos. Muitos macacos.
Mais tarde, à boleia de outro Miguel, este marido da minha amiga Elisabete, também de mãos momentaneamente fora do volante, explicam-me:
- Os macacos são sagrados. Se algum se deita na estrada, pára o trânsito. Mas é que pára mesmo. Alto aí que há um macaco na estrada. Ai de quem atropelá-lo. Atropelar um macaco, aqui em Gibraltar, é apanhar uma alta multa.
Os macacos são divertidos, mas demasiado afins aos humanos para o meu misantropo gosto. Gosto mais das gaivotas. Do coro de gaivotas que, como uma orquestra, anunciam a aurora, entoam cânticos portuários num espaço entre o mar e o céu que só elas conhecem. Elas e aqueles que, como eu, avistam África e sentem um apelo para partir. Não para África. Mas pelo desconhecido, para um lugar lá longe, uma terra sem nome. Onde o anonimato é ainda alcançável.
Não posso ver um navio, um cruzeiro, um qualquer barco colossal, sem que me dê vontade de esconder num biombo, num qualquer contentor. E embarcar, escondido, entre a carga.
Resta-me ficar em terra, imaginar que tipo de carga se transporta. Se praticam contrabando, em que cais aportam, como se embebedam, e um infinito marítimo etc.
Voltando à terra. Nesse dia, enquanto terminava a festa de Purim, o Miguel levou-me ao bairro judeu de Gibraltar. Nunca vi tanta presença judaica por metro quadrado. Ao final da tarde, já com Elisabete e os dois Miguéis (tal pai, tal filho), bebemos café numa rua verde, em homenagem aos primeiros irlandeses que chegaram à cidade.
Já a cidade se cobria com um manto negro e pontilhado por estrelas quando, em consonância com a identidade cosmopolita de Gibraltar, jantamos num restaurante gerido por um indiano, cuja cozinha era sobretudo argentina e os garçons ibéricos e ingleses.
Gibraltar dá-nos a ideia de que estamos fora do mundo e que todos os povos do mundo, alguma vez na vida, por um breve momento, vieram cá desaguar. Que o mundo é mundo civilizado desde o dia que é como um cais. Que só cresce quando acolhe e invade, se auto-aceita. Que só assim se multiplica.
Belíssima lição. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Fim de Semana ao Sul II

Baía de Gibraltar, Vitor Vicente, Março de 2012

Avistar África pela primeira vez. Apetecer: partir.
Só para seguir a rota de Rimbaud. 

quarta-feira, 14 de março de 2012

Fim de Semana ao Sul I

Panorâmica de Málaga, Vitor Vicente, Março de 2012
Não comungo do anti-castelhanismo dos Portugueses (em particular do praticado na Capital), nem do fascínio basbaque e sem factos dos Europeus por todo o produto o que provém de Espanha.
Nem há por que se espantar. Poucas vezes participo de sentimentos partilhados por um sem-número de pessoas. Parecem-me sempre sentimentos sujos. Mascarrados como jornais repletos de mentiras, desde a manchete até à meteorologia.
Chegar a Espanha é, contudo, para mim como chegar a casa. Não importa qual a cidade, pois ainda que nunca tenha estado na cidade em causa, sinto-me sempre em casa. Como foi o caso, em Málaga.
É que esse sentimento, de chegada a casa, começou logo ao aterrar. As “vozes de aviso” (para não deixar a bagagem ao abandono, para fumar nas zonas pré-designadas para o efeito, para embarcar na porta X) são exactamente as mesmas desse Aeroporto (de Barcelona) que será o meu Aeroporto de sempre; esteja eu a embarcar ou aterrar de e para  qualquer parte do mundo.
Já na cidade, passo aos pequenos, pessoais e imperceptíveis prazeres que adquiri aquando do tempo que vivi na Catalunya. Coisas tão bobas como comer um certo bolo (pode ser uma simples Ensaimada, só para citar um exemplo), ou almoçar uma Baguete de Tortilha. Ou então o delicioso Durum da Turquia onde não tenciono ir senão através da Tienda da esquina.
De resto, a realidade propriamente dita pouco ou nada providencia. Sou só eu que adiciono. Sou só eu que existo – e não a Espanha - como num sonho.

domingo, 4 de março de 2012

Que horas são em Haaretz? VII

A Tumba do Rei David - Jerusalém, Vitor Vicente, Setembro de 2010

Dantes era discípulo do Diabo. Agora adoro Adonai.
Pouco mudou. Mantenho-me tão ou mais maldito aos olhos do mundo.  
 

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