quarta-feira, 25 de junho de 2014

Dublin em Diferido

Silesian Shopping Centre - Katowice, Vitor Vicente, Junho de 2014

Despeço-me de Dublin. Num Domingo à noite e em diferido. Do alto de um décimo andar e diante de um centro comercial que tem tanto de capitalista como de soviético. Em poucas palavras, despeço-me de Dublin em Katowice. Porque nunca nos é permitido despedir enquanto não chegarmos ao próximo destino. 
Digo nós, os desterrados. Movidos pela Diáspora. Que em nada se desfaz e em tudo se dispersa. A direção é a de sempre. Ano que vem, em...Complete em silêncio a prece, quem tenha como marca-passo a Terra Prometida.
Quem são eles? São os que sabem que existe o sopro sagrado e um demónio disfarçado de vento - demónio que tende em ser adorado pelos pretensos artistas e errantes das emoções faz-de-conta e à flor da pele para inglês e outros povos facilmente embriagados verem. 
Eles, eles são os mesmos que não precisarão de explicação de maior para a leveza que me habitou, desde o dia em que disse a mais pessoas do que a mim mesmo de que iria deixar Dublin. (Eu fui o segundo a saber, depois de D-us). Então toda a cidade transformou-se numa colónia de férias e a pouca seriedade que me assiste deu lugar a um avassalador sarcasmo. 
Lembro-me que, tomado por esta leveza, percebi que só sei ser assustadoramente sério ou cultivar um sarcasmo ácido. Concluí que tem isso tem condicionado a minha relação com os outros. Coisa atroz. 
Constação não tão atroz, mas que antes muito me apraz: o irrevogável rebelde que há em mim. Que não se pode estrangular com gravatas ou guilhotinas em jeito de gentilezas a que o convívio com as gentes, de quando em vez, obriga. Que não se deixa polir nas palavras, nem que ponham tento nem termo na língua, por mais que brilhem os sapatos ou sorria com todos os brancos dentes que tem na boca. Que jamais terá como missão mudar este mundo mesquinho, por mais que dele cultive desdenhosa distância. Um rebelde sem causa e sem outras calças que não as compradas no Outlet de New York - e que faz questão de dizer Outlet e New York para confundir os curtos de cérebro e os canhotos crónicos e, aos olhos destes, parecer não ter nem calças, nem camisola onde exibir o emblema,  para os fazer ver estrelas de David.
Estou a ser duro? É a minha profissão: duro. O que, senão me falha a memória, foi o nome dado a um filme. Que, assim dito, até parece nome de película pornográfica. 
Chega de socos e de cinismo. Chega de querer fazer passar a ideia de que não sinto falta dos amigos que deixei em Dublin, tanto neste Domingo à noite, como em todas as noites e dias vindouros.
Despido de amigos e de calças, despeço-me também de Dublin e deste blog. Em nome da Diáspora vos digo: até qualquer dia. 

domingo, 22 de junho de 2014

Ares Pela Ásia V

In-Town Check-In - Hong Kong, Vitor Vicente, Abril de 2014

Tenho um carinho especial por Hong Kong. Foi este o aeroporto onde, pela primeira vez, desembarquei em paragens asiáticas. Foi neste país a que prefiro chamar de cidade onde, pela primeira vez, escutei a acústica das maquinetas asiáticas.
Tamanha é a dádiva que, na viagem de regresso, ao ter oito horas de conexão entre um voo e outro, não posso deixar de revisitar Hong Kong.
É certo que estou carregado, com dois sacos com compras de última hora. Mas quero ir à cidade de qualquer maneira, de preferência com as melhores maneiras.
Maneiras que uso para, no balcão de informações do aeroporto, perguntar se têm algum saco ou se sabem onde posso encontrar um - pois um dos meus acabou de rebentar. Uma das senhoras passa tudo o que tem num dos seus sacos para a sua mala e, uma vez esvaziado, oferece-mo. Num dos gestos mais generosos que, ao fim de cinquenta países, já presenciei em viagem.
Mais leve, decido deambular por Hong Kong. Fico-me por Kowloon. Primeiro, Kowloon East, mais Chinês e comunista, com todo o folclore Asiático, bazares e casas de massagem. Depois, Kowloon West, com todo o esplendor capitalista de que só Singapura consegue fazer sombra.
Em suma, adoro a Ásia - incluindo, claro, Hong Kong. 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ares pela Ásia IV

Praça de tuk-tuks em Lapu-Lapu, Vitor Vicente, Abril de 2014

"Eu não era para estar aqui", eis uma ideia que tem me vindo à cabeça em muitas das vezes que viajei. No caso das Filipinas, de tão fugidia ter sido a estadia, foram poucas as vezes que tive essa ideia - talvez pela própria natureza fugidia da estadia.
Lembrei-me mais de que, tal como um amigo me disse, as Filipinas é que não eram para estar aqui. De fato, deviam estar anexadas à América Central e, só por algum acaso, é que estão na Ásia.
Essa impressão passa, sobretudo, pelas pessoas - pois são mais as pessoas que fazem os lugares do que vice-versa. A começar pelos seguranças de porte "machote", passando pelas garinas que galam os gajos e tentam atrair as atenções através dos seus atributos, até aos buracos nas portas dos quartos de hotel. Buracos como estes são obra dos latinos, tais como os seguintes patrimónios: a abundante presença do Catolicismo, a corrupção a cem por cento e o Inglês a descambar para o "Spanglish", a soar a "sudaka".
Tudo isto faz-me com que em Lapu-Lapu, apesar do nome exótico, me possa sentir em casa. Longe é, de longe, a minha localização predileta.  

domingo, 8 de junho de 2014

Deixar Dublin IV

Com que então Katowice. Depois de quase quatro anos em Barcelona e passado pouco mais de quatro em Dublin, está a chegar a hora de partir para a Polónia.
Nada de novo. A não ser que, pela primeira vez, vou-me mudar para uma cidade que não conheço e que pertence a um país que já pisei.
Poderia de Barcelona dizer o mesmo. Arrogando-me do fato de já ter estado antes na Galiza. Mas nem a Catalunha, nem a Galiza espelham a Espanha - pelo menos, a mesma Espanha. Barcelona parece-se muito mais a Paris - pelo menos foi o que me pareceu nos primeiros dias na Catalunha, ainda que do mundo só conhecera a capital francesa. Por isso, prefiro dizer que quando fui para Barcelona não conhecia nada deste mundo.
De Dublin conhecia o que vi durante uma semana que por cá andei, em 2007. Depois de ter estado em Madrid e Estocolmo. Antes, muito antes, de ter estado em muitos lugares. Já era alguma coisa. Mas o fato de conhecer muito pouco deste mundo e não ter como comparar Dublin - as cidades, tal como as pessoas, conhecem-se e compreendem-se quando colocadas em contexto de comparação - faz-me acreditar que aqui cheguei dotado de conhecimento mundano meramente diminuto.
Quer isto dizer que a Katowice, embora nunca lá tenha estado, chegarei com o conhecimento colhido por todas as outras cidades dos cinquenta países que visitei. Da Polónia conheço - no sentido comum de conhecer - Varsóvia. É o suficiente, mais alguma boa gente polaca que conheci em Dublin, para perceber e deixar de perceber o povo. 
De resto, tanto a Polónia como o Leste Europeu, sempre me pareceram a terra dos familiares distantes, dos alguns primos Askhenazi afastados onde íamos, ano sim, ano não, nas férias do Verão. O Estio até está à porta. Deve ser por isso que tudo isto me soa como uma espécie de regresso. 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Deixar Dublin III

Voltando à dívida de Dublin.
Foi Dublin, uma das capitais mais provincianas do velho continente, que me abriu as portas do mundo. Por mais que Barcelona me tenha acolhido como uma mãe e que tenha o estatuto de minha segunda cidade, foi este país que me puxou para fora de Portugal.
E, já estando cá, foi aqui que encontrei o trampolim para viajar pelo mundo fora. Por mais que de Barcelona tenha dado os primeiros saltos a vários lugares da Europa e me tenha permitido ir duas vezes à América Latina e me ter posto, pela primeira vez, em contato e confronto diário com pessoas de todos os países, foi nesta cidade que aprendi a mover-me pelo mundo. 
Durante muito tempo - quase todo o tempo que estive por cá - me perguntei porque tive que passar pelo que passei até aqui chegar. Porque raio tive que passar quase quatro épicos anos em Barcelona, antes de me mudar para a Irlanda? Porque raio um vulcão na Islândia rebentou e estancou todo o trânsito aéreo na Europa, precisamente no dia em que tinha o voo para Dublin? 
Era tudo parte do plano. Em que participei e provei que, independentemente do plano, o nosso papel não pode ser passivo. Cabe à nossa conduta definir-nos um papel. Enquanto esperamos que caia o pano. 

Ares pela Ásia III

Mercado-Flutuante - arredores de Bangkok, Vitor Vicente, Abril de 2014

É curioso, tão curioso, o fato de que vou começar esta crónica sobre a Tailândia a dizer que falo fluentemente Espanhol. A tal fluência será uma falácia acrescentar um certo amor pelo dito idioma. Para ser bem sincero, detesto o sotaque. Não obstante este mudo ódio, consigo ser fã de certas expressões espanholas. Por exemplo - e assim chegamos à Tailândia - desta: "venden de todo, incluso a su madre".
É a chamada força de expressão. Ou expressão exagerada. Até quando se trata da Tailândia. Até porque aqui o mercado das mulheres - que, entre os muitos mercados, é o "main" cá do sítio - mais depressa despacha suas filhas do que as respetivas mães.
Ele é o mercado das mulheres, o mercado-noturno, o mercado-comboio, o mercado-flutuante. Se a Irlanda é, como alguém disse no Facebook, um "grande fazendão", então a Tailândia não é mais uma Pátria, mas antes um hiper-mercado. Bangkok deixou de ser uma cidade e passou a ser um grande bar. Quanto a Krabi, como qualquer estância balnear, entre algumas pechinchas e meia dúzia de bugingangas, pratica preços de praia.
Brancóide paga. Com a falta de olhos que lhe carateriza a cara, vem à Tailândia - tida por terra dos sorrisos - fazer turismo de estar por casa. Afinal está tudo em Inglês, como na Califórnia.
Mais do que um hiper-mercado, a Tailândia é um grande bazar. Assim mesmo, na aceção tradicional da palavra. A sua economia - e, por consequência, a sua cultura - estão condenadas a ser arrendadas ao alheio. Reféns, sem outros meios e sem mais filhas e mães, acabaram por vender a própria alma. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ares pela Ásia II

Songs of the Sea, Singapura, Vitor Vicente, Abril de 2014

Desde Platão que sabemos que as cidades não foram propriamente feitas para os poetas. Quem diz as cidades, diz as sociedades, os palcos, os fóruns da praça pública.
Ainda assim, tentemos supor que existem cidades poeto-friendly (o estrangeirismo, que eu normalmente evito e execro, tem um motivo). Assumindo isso, Singapura seria à medida dos poetas futuristas. Espécie que, enfim, já não existe. O mais próximo de futurismo artístico que nos é dado a assistir são os palermas que publicam fotos no Facebook com I-Phones e as fazem acompanhar de duas linhas digitadas às três polegadas.
Em dois dias que estive em Singapura, não fui capaz de escrever nada em direto. Quando muito, no aeroporto - que é o caso desta crónica que agora escrevo. Só não vou dizer que, além da Poesia, também a Literatura de Viagem foi pelas águas da marina de Singapura abaixo - pois, para mal da minha prosa ambulante, encontro-me condenado a intrometer versos subreptícios entre esses relatos pouco verídicos que faço das cidades que visito.
Dito isto, Singapura, essa bomba urbana, parece pôr em prática a palavra de Platão e cortar as mãos aos pobres dos poetas. As mãos, mas nada mais do que as mãos. Os olhos mantém-se invioláveis. Para que, por uma vez na vida, consigam esquecer-se que são escritores e lembrarem-se que são parte da amável multiplicidade de Singapura. 
Logrado isto, serão repostas as mãos aos poetas. De pé, na mesma plateia que a plebe e que eu, aplaudirão a cidade, o país, a polis perfeita para o poeta futurista.    

domingo, 1 de junho de 2014

Deixar Dublin II

Antes de avançar com o destino pós-Dublin, impõe-se-me contar como aqui cheguei. E, deste modo, desvendar a dívida que tenho a Dublin.
Corria o ano de 2006. Em que, durante a maior parte do tempo, estive desempregado ou com contratos precários. A viver mal e - perdoem-me a palavra - portuguesmente. Devastado com a ideia de, pela primeira vez, ter tido um programa para me mudar para o outro lado do Tejo e de tudo ter ido por água abaixo, pensei em partir da Pátria. (Agora que penso, tem sido entre destroços de programas-mor que se têm movimentado as maiores mudanças da minha vida).
Voltando ao ano de 2006. Que, só pelo fato de não ter Facebook, parece ter sido há muito tempo, algures num Paleolítico. Onde só haviam redes sociais que, hoje, nos parecem parolas. Onde tipos tímidos como eu chateavam garotas. (Isto, lembro agora, neste acesso nostálgico, muitos anos depois do MSN Messenger- um chat que foi a cura para a vida sexual de merda de muita gente). Numa dessas redes sociais, conversei com uma portuguesa que morava em Dublin (entretanto, como parece ser moda, mudou-se para Londres,) e que, ao ligar a webcam nalguns dos cybers da cidade, me mostrou os olhos para o mundo e me punha, mudo, a murmurar para comigo "É possível ser-se português e viver noutro país."
Estive quase, quase a mudar-me para Dublin. Pela tentação, pela oportunidade de ter um trabalho. Até cheguei a anunciá-lo. Um dia, no tal chat para pessoal com escassa vida sexual, o MSN, encontrei um amigo que morava em Barcelona e disse-lhe que me ia mudar para Dublin. O meu amigo ficou contente. Mas acrescentou que ficaria ainda mais contente se eu parasse na Catalunya - como se a Catalunya ficasse pelo caminho.
O fato de caminho para a Catalunya se fazer de comboio deu uma volta de 180 graus à minha cabeça e desviou-me de Dublin para me atirar a  Barcelona. Já de bilhete de comboio comprado, bolsos cheios (mais de sonhos do que de dinheiro), conheci uma Eslovena que se ia mudar para Paris e com quem fiquei de tentar uma relação que, à distância de Barcelona e não de Dublin, parecia viável.
Não deu em nada. Assim como ficar em Dublin, à última hora, por uma gaja. 
 

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