sábado, 31 de maio de 2014

Ares pelas Ásias I

Main Station - Taipei, Vitor Vicente, Abril de 2014


As cidades medem-se pelas suas montras.
No caso de Taipei, a maioria das ditas ostentam capacetes e maquinetas (por maquinetas entendo buginganga sofisticada).
Começo pelos capacetes. E confesso: como eu gostaria de ter um, à prova do ruído do trânsito. Eu explico, que é como quem diz: eu exponho-me. Eu estou no quarto de hotel, mas é como se estivesse a dormir na rua e a ouvir tudo o que se passa lá fora. Há demasiadas motorizadas nesta cidade. Tantas que até Beethoven, ressuscitado mas mouco, as conseguiria ouvir. E, claro, face a isto, não falta comércio de capacetes e acessórios afins. Menos mal que os Taiwaneses até são dados à auto-ironia - velho e desconhecido conceito no Oriente - e até comercializam capacetes com a Hello Kitty. Fazem-me lembrar a ironia dos Israelitas, com as suas kipás para todas as taras e manias. De resto, só os irmana uma certa pressa nos costumes.
Quanto às maquinetas, é vê-las nas montras, assim como nas mãos de toda a gente - sobretudo, dos passageiros do metro. E há sempre tanta gente no metro. Pudera, este pessoal trabalha que nem loucos. Todas as horas no Taipei são horas de ponta. Podia então compará-los aos Japoneses. Mas o pessoal daqui é demasiado amigável e até ajuda os estrangeiros - coisa em que jamais se pode equipar aos "japas", mais dados à manga e à pornografia de duas estrelas. 
Aliás, e para concluir, Taipei é a minha cidade favorita no Oriente. Sem as porcarias da China, nem bordéis a cada esquina. Com classe e ligada ao turbo. Elétrica, tão supersónica que se nos torna imunes ao cansaço e ao desgaste dos dias. Dá vontade de cá voltar. 

Deixar Dublin I

Pode parecer patranha, soar a contradição, mas é assunto sério. Todas as manhãs, quando acordo, dou um murro no despertador e dou graças a D-us por me dar mais um dia no mundo - às vezes, lembro-me ainda da canção "Se eu fosse um homem rico" do musical "O Violonista no Telhado", em que o personagem principal, depois de reconhecer perante D-us "que "não é vergonha nenhuma ser pobre, mas que tal condição também não é nenhuma honra", pede que lhe seja concedida "uma pequena fortuna".
Estas são, então, as minhas duas principais atividades matinais. As primeiras, sem as quais o dia não vai ser um dia. A que, desde Terça, juntei uma outra. A fascinante estranheza de me ter sido dito que, dentro de umas semanas, não vou mais acordar diariamente em Dublin.
Desde que sei que Dublin é uma questão de dias, toda a cidade passou a ter o estatuto do vento. Talvez não estejam a ver o que quero dizer com isto. Certo. É como se passasse a sentir a cidade, sem que a visse. Não a ouvisse mais do que em meros murmúrios. Como a um animal chamado aragem que beija, atabalhoado, que nem uma brisa. 
Sendo mais concreto, posso acrescentar que alguns amigos me parecem agora mais amigos. Enquanto alguns inimigos deixaram de o ser, quer dizer, deixaram de existir - ou passaram a ser simplesmente os filhos da puta que sempre foram. Tolero quase tudo, porque a quase tudo devoto um aristocrático desprezo. Vejo os defeitos de Dublin à escala do meu cansaço - e já não me esforço para alcançar a clareza. Em contrapartida, no que toca ao júbilo, emociono-me até à altura das estrelas, fico nostálgico com pequenos-nadas e com as noções do nunca-mais.
No fundo, é o preço da leveza. De correr atrás da vocação de nómada que me está no sangue, de correr atrás da minha sombra, através das veias - e chamar a isso de vida. 
E dizer: ou vou ser nómada, ou nunca vou ser nada.    
 

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