domingo, 13 de outubro de 2013

O Triplete do Leste III

A loucura do troc-troc e do trânsito do Azerbaijão - Baku, Vitor Vicente, Setembro de 2013

Não, os Nórdicos também comem pão à refeição. Só que, muitas vezes, a refeição resume-se ao pão. Pão com pão, e pouco mais. Já o pessoal do Sul come pão e mais alguma coisa. Pão e, a maior parte das vezes, muitas mais coisas. Pão com condimento, pão como complemento.
Estando o Azerbaijão a Sul, o pão, como não podia deixar de ser, é sempre servido como um extra e sem custos adicionais -e mais, isso acontece com quase todos os pratos. Um pão inteiro e que não é a refeição por completo. Nestas e noutras coisas, o Azerbaijão está mais a Sul do que a Leste.
De resto, da mãe Rússia pouco mais resta do que as vestimentas e o calçado troc-troc do mulherio. Para cada véu, no mínimo, há sete mini-saias e setenta saltos altos à la Soviética.
O bom de Baku é que, à bela e sensual semelhança das cidades que estiveram debaixo da cortina de ferro, também aqui a esquerda é execrada. A esquerda, isto é, os tiques e trejeitos de esquerda; desta estúpida neo-esquerda, em que as mulheres passaram a provocar os homens por se quererem parecer a eles. Por exemplo: nos penteados e nas calças jeans.
Aqui no Azerbaijão (e que triste é escrever aqui, ciente de que dizer aqui é um tema de tempo) é ao contrário. Os tacões é que atacam o vaso coronário do bicho homem. Nem o Islão, nem o vizinho Irão em que se muçulmaniza a malta, ninguém manda ninguém cobrir os corpos, as caras. Não se cobre nada, coisíssima nenhuma e deixam-se os corpos, as caras, tudo às claras.
Claro que há quem se queira cobrir por razões religiosas. Está no seu direito, pois todos o temos o direito a não ser iguais e a assinalar a nossa diferença, em última instância a nossa individualidade. Tal prática tanto o fazem mulheres muçulmanas, como ortodoxas cristãs ou judias.
No fundo, aqui no Azerbaijão os modos são uma mistura de Sul com uma pitada de Leste. A modos (modos, esta é a palavra) que aqui o mister (mister, essa é a palavra) se sentiu em casa - e foi até, várias vezes, confundido com um dos da casa. 
Princesas por quem se perder, portanto, não faltam. Pudesse eu ser um dos Príncipes desta Pérsia perdida.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O Triplete do Leste II

Termas-mor de Budapeste, Vitor Vicente, Setembro de 2013

Antes de mais, um aviso à navegação: cada crónica que escrevo sobre cada cidade, faço questão de que seja escrita quando ainda estou nessa cidade. Exceção abro à série "Variações sobre Velhas Viagens". Mas é por isso que essa série de crónicas se chama como se chama. E, enquanto exceção, confirma duas coisas: primeiro, a regra, segundo que eu sou uma pessoa de regras.
A crónica que agora escrevo acerca de Budapeste também é uma exceção. É uma exceção da exceção - e por aí o leitor pode adivinhar que daqui não virá nada de excecional. A presente crónica é, pois, escrita no passado, digamos em diferido, sem enfileirar a série "Variações sobre Velhas Viagens". Ainda que esteja a ser escrita no conforto quotidiano da cama, que é a melhor escrivaninha que encontrei cá em casa - sendo a cama a melhor escrivaninha que encontrei em qualquer das muitas casas onde morei.
Dito isto, devo ainda acrescentar que fui - ou melhor, passei, pois tanto a ida como a volta foram conexões da viagem para Baku - por Budapeste como se estivesse à porta de casa. Assim (maneiras) sendo, esta segunda via de crónica, escrita de cotovelos assentes no colchão, não é tão descabida como isso. Ou isso quero eu fazer parecer à camada de nervos de aço, que não me perdoa por ter perdido a crónica que escrevi na cafetaria das termas de Budapeste.
A Budapeste -vamos lá, sem mais preâmbulos - a Budapeste, pouco mais pedi que uma pseudo-experiência de residente. De cidadania emprestada por dois dias, no primeiro deles, lá fui almoçar ao Espinoza, que é um dos bons restaurantes Judeus junto da Sinagoga-mor da Húngria - e da Europa, não fosse a maior Sinagoga do continente. Para me fazer passar pelo turista que sou, ainda tirei fotos ao Parlamento e à Catedral. Para dizer que estive em Budapeste, atravessei uma das pontes sobre o Danúbio e, pela primeira vez na vida, fui ao lado de lá, a Buda. 
No regresso, espraiei-me nas Termas. Não numas termas quaisquer, mas nas Termas-mor da Hungria - e da Europa, não fossem estas termas as maiores céu aberto do continente. E assim fui pseudo-residente em Budapeste durante dois dias. Como pseudo-residente vou sendo em Dublin há três anos e meio. Na verdade, acho que nasci votado para não conseguir corporizar a condição de residente em lado nenhum. Mas não estou preocupado, por enquanto, em encontrar a Terra Prometida.
Só queria mesmo era ter encontrado a crónica que escrevi na cafeteria das termas(-mor) de Budapeste. Terá ficado com a toalha? Com a toalha que, por estar molhada, optei por não pôr na mala e não trazer para casa? 

domingo, 6 de outubro de 2013

O Triplete do Leste I

As balas vivas de Varsóvia, Vitor Vicente, Setembro de 2013 

Exitem cidades conhecidas por serem cidades cinzentas. É, sobretudo, o caso de grandes cidades, sejam ou não capitais de um país, sejam ou não capitais de uma região.
O caso de Varsóvia, capital da Polónia, é diferentes das demais capitais e das grandes cidades cinzentas. Tão diferente que é elevado ao estatuto de distinto.
Varsóvia não é mais uma cidade cinzenta, mas sim a cidade cinza. Ou a Fénix-feita-cidade, cuja realidade é o resultado do renascer das cinzas. 
Cinzas que são nossas contemporâneas. Cinzas que também são nossas. Como fosse também nossa a culpa por terem virado Varsóvia do avesso. 
Hoje em dia, Varsóvia veste o novo lado a lado com o velho. Ao comungar esse charme com Berlim, esta cidade torna-se parente próxima da capital da Alemanha - mais próxima até do que de outras cidades polacas. Já Berlim, por seu lado, mais depressa podia ser prima das cidades polacas arrasadas pela guerra, do que de outras cidades alemãs.
Primas que, mais que assistiram, foram palco principal e forneceram personagens aos maiores horrores da história da Humanidade. O palco de Varsóvia ainda está aberto e, aqui e ali, assinalado com marca de alvo.
Em Varsóvia não há coração inviolável. As feridas foram um facto e ainda não foram fechadas. Nós continuamos a repetir erros. Os mesmos, os eternos erros. A rotina humana é repetir erros e em Varsóvia é vê-lo a olhos vistos.
Saltam à vista, na velha-nova Varsóvia de agora, os pactos (e os papos) de Varsóvia. As cinzas de Varsóvia são tão vivas que, num instante, viram isqueiros. Cinco segundos e já a ignição incidiu no músculo cardíaco. 
Não há como ficar indiferente às indecências de Varsóvia. 
 

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