sexta-feira, 5 de julho de 2013

Diáspora de Dublin XXX

Stephens Green Shopping Centre - Dublin, Vitor Vicente, Janeiro de 2013

Com certeza que haverá muito cretino que ainda não compreendeu que o mundo é redondo e que continua a crer que o Planeta Terra é um retângulo mais-que-perfeito. Ou, pelo menos, que aprendeu que assim não é mas que aje como se assim fosse. Como se o mundo fosse forçado a ser uma cópia do seu quadrado quotidiano. Do tipo, as quatro faces do quadrado têm que ser iguais em todo o lado. Ou é assim, ou - rica ressalva - haverá algo de errado. 
Errado, quer dizer, que se trata de algo que não reflete a sua realidade. Estamos a falar dos antropocêntricos, no mínimo dos autocêntricos. Para quem o universo existe enquanto extensão do seu umbigo. Gente que, hoje em dia, se dá ao luxo de se espantar com o facto de ainda haver quem não espelhe o que de melhor se passe no mais perfeito dos quadrados - a saber, o seu.  
Dito isto, neste tom, até dá para ser levado a crer que esta gente leu Leibniz. Não leu. Não leram nada. Quando muito, nos tempos do liceu e da universidade, leram resumos para tirar positiva. De resto, tudo o que leram, resumos e pouco mais, leram sempre através da lupa míope que é o seu quadrado entendimento. Sem serem sequer capazes de associar alguma coisa a - ao quê?, perguntam nesta altura do campeonato- a alguma outra coisa. 
Era aqui que eu queria chegar: às pessoas que, aqui em Dublin, assumem que a cidade é uma mistura do bairro onde moram e do bairro onde trabalham. Isto quando não se tratam do mesmo bairro. Pois, para muitas pessoas, a vivência da cidade cinge-se a trabalhar e sair com pessoas que conheceram no trabalho. 
Depois há os que fazem férias onde o pessoal é diferente. Oh que diferente, que exótico. Toca de tirar foto, publicar no Facebook, de preferência lado a lado com os locais, como se essas gentes fossem jibóias. 
No fundo, somos todos paradigmas. Uns do que é normal e natural, outros do curioso que parte à procura da essência humana nos pobres coitados que se contentam com uma côdea de pão. Preconceitos, temos todos. Ou então não poderíamos ter opiniões. O problema é haver mais opiniões do que pessoas. Na verdade, o problema divide-se em dois e multiplica-se no número de pessoas que personificam esse problema: pessoas com opiniões a mais do que o diminuto inteleto lhes devia permitir e pessoas completamente desprovidas de opinião própria ou baseada naquilo que ouviu por aí. 
Logística nunca foi o forte da espécie. Ainda está para vir o dia em que a distribuição seja justa em Dublin e no mundo inteiro. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Diáspora de Dublin XXIX

Autocarro de uma excursão pelo County Clare, Vitor Vicente, Março de 2011

Tenho então um quotidiano andante. O poder nas pernas, nos pés. O privilégio de não depender dos transportes, nem de estar refém do estado das estradas ou das vicissitudes dos veículos desta vida para poder fazer da minha vida ainda mais a minha vida. 
Pois pertenço a uma multidão de andarilhos anónimos  que não se conhecem, que nunca foram, nem almejam- de tão assustadiços e ensimesmados - vir a ser apresentados. Que, à semelhança dos caprichos dos génios, querem ser singulares e não aceitam ajuntamentos, nem constituir parte de grupos.
Posso cruzar-me com os mesmos caminhantes todos os dias, à mesma hora, sempre no mesmo semáforo, mas nenhum de nós vai se lembrar do outro no dia seguinte. É um pacto perfeito, sem que nada, nem ninguém tenha de mover uma palha por isso. 
Já dos passageiros que, todos os dias e antigamente, apanhavam o mesmo autocarro que eu, desses lembro-me muito bem. Como se, todos os dias do tempo que atiro para longe ao chamar de antigamente, tivesse sido ontem.
Lembro-me que alguns deles já diziam olá entre eles e entre dentes e que outros, embaraçados, viravam os focinhos para o lado ou atiravam-nos para o chão. Lembro-me - seria impossível não me lembrar - de um maluco que, como todos os malucos em qualquer parte do mundo, ia sempre sentado no banco de trás (no caso Irlandês, do andar de cima do autocarro) e que levava sempre sacos de plásticos. Além de se sentar sempre no banco de trás e de trazer sempre sacos de plástico, este maluco também falava sozinho e dizia sempre as mesmas coisas e sempre quando passávamos junto às mesmas paragens. A saber, "For Fuck´s  Sake. For Fuck´s Sake. She doesn`t care. No, she doesn`t care. She`s a fucking bitch!". 
Era claro que nem eu, nem nenhum dos passageiros frequentes deste autocarro, se sentava perto dele. Era tão claro como perceber que quem se sentava perto dele não nos acompanhava no autocarro, diariamente, desde a sombria Segunda até à ansiada Sexta.
À Sexta, tínhamos todos o semblante aberto e o ambiente era tão descontraído que mais parecia um autocarro para a praia. Como se Sexta fosse sinónimo de férias. Até era: férias de dois dias. Mais dias houvera e andar nesse autocarro seria uma verdadeira viagem. Assim não sendo, esta crónica está votada a não pertencer às Variações sobre Velhas Viagens. Antes a dar o corpo à andante Diáspora de Dublin
 

Seguidores