domingo, 24 de junho de 2012

Vinte e Quatro Horas em Viena

Lusco-Fusco em Viena, Vitor Vicente, Junho de 2012

Ainda no avião da Austrian Airlines, antes de aterrar, já nos vendem a valsa. É válido. O turismo mais não é do que vender a alma lavada.
Valha-nos D-us, ó Veneza. Que, de tanta corja aos pares e a galope nas gôndolas, deixaste degenerar a beleza em vileza.
Mas o presente caso  é Viena.
Cujo centro da cidade, reconheça-se em abono da verdade, é um palácio a céu aberto. Não só o centro, mas também boa parte da cidade, tem o charme de quem parece ser à prova do tempo. Como se o tempo aqui passasse, parasse, e petrifica-se - face a tanta beleza.
Beleza que não é para brancóide ver. A capital da Áustria tem a beleza da Europa Central. Daquela Europa invariavelmente igual, de identidade incolor, baça. Uma identidade quase inexistente. Tão inexistente que inimitável. 
Do meu quarto de hotel, consigo ouvir um comboio que - estou capaz de jurar - deve ser o mesmo que eu ouvia do quarto de hotel onde dormi na minha primeira vez em Praga. Talvez seja outro, mas a vontade é a mesma: partir para uma viagem numa paisagem invariavelmente igual, uma paisagem que não se pode escrever no plural, por ser e não ser sempre a mesma.
Ah partir, palavra que não se descodifica no dicionáro, mas através das paisagens que apenas desbrava aquele que parte.
Por falar em partidas, amanhã há outro avião. Para a Irlanda, a ilha mais homogénea à face da Terra. Onde é ainda permitido esquecer-se que se está na Europa enquanto na Europa se vive. De onde se pode voar para o Velho Continente e do Velho Continente voltar com a impressão que se fez um voo inter-continental.
Valham-nos as terras que sejam trampolins para outros pontos da Terra. 

domingo, 17 de junho de 2012

Viagística XIV

Moses Bar - Tel Aviv, Vitor Vicente, Junho de 2012

O sarcasmo de beber uma cerveja chamada GoldStar num bar chamado Moses.
Só superável pela hipótese, de, algum dia, poder beber uma cerveja chamada Moses num bar chamado Goldstar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Som e o Sagrado (Israel)


Praia de Tel Aviv, Vitor Vicente, Junho de 2012

Quanto mais curta uma viagem, mais dificil de dizer em poucas palavras. Os resumos não foram feitos para reproduzir realidades das quais, face à urgência e à falta de tempo, se requerem relatos rápidos. Realidades breves, fugazes como a própria vida. 
Existem momentos que justificam toda a experiência da existência e do mundo. Por exemplo, momentos musicais.
Desta viagem a Israel guardo, sobretudo, sons.
Ao levantar o pano - ou, já que é um palco sonoro, no princípio da pauta - surge um saxofone. Ouvido, certa, noite, na esplanada de um bar de Jazz de Jerusalém. Sempre que o saxofone se sobrepunha ao contrabaixo, sacudiam-me duas ideias: a de que me encontrava além de Jerusalém e a de que, onde quer que esteja, em Jerusalém estarei. Simplesmente: estava suspenso no som do saxofone.
Do saxofone passamos ao silêncio. Sim, esse senhor, o silêncio, que é capaz de reduzir multidões ao mutismo. O silêncio, por sinal cerimonial, que ecoou, certa tarde, numa praia de Tel Aviv. Explico: estava aqui o escriba debruçado - precisamente - no papel quando, terminado o texto, pensou ter transformado a praia num deserto. A areia - sabe-se há séculos, senão mesmo há milénios - dos místicos é alada, anfíbia e sábia. E mais, consegue pôr toda a gente - nem que seja por gloriosos minutos -  calada. Para que assim, assente na areia, se efective o real exilio da escrita. Também tida por termo da escravatura, escapada do Egipto - sem que não nos engasguemos e numa só palavra: êxodo.
Este silêncio voltou a ecoar, no dia seguinte, já na Europa -  no coração do continente. No comboio que vai do aeroporto de Viena até ao centro da cidade, ouvi o silêncio dar as ordens que nem um maestro de orquestra. Noutro comboio, o citadino, ainda em Viena, era um regalo para os tímpanos ouvir os travões chiarem sempre que se chegava à proxima paragem. Entre uma paragem e a próxima, sempre o mesmo sonoro e silencioso aviso. Quem não desse pelas paragens, sentia que podia continuar neste comboio - continuamente, para sempre. 
Para sempre - pois nunca de lá saímos - voltaremos a Israel. Com ou sem "kipah", era sempre saudado com um "Shalom". Saudação que, por não conseguir dar seguimento em hebraico e depois de uma sequência de embaraçosos silêncios, deixei de repetir. À despedida, todavia, lá soltava um tímido "Todá".
Despedida? Todas as viagens a Israel são só de ida. Despedir-se é só dar ínicio ao próximo regresso.
 

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